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Trump e seus labirintos

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Será que você terá percebido, nas fotos do encontro da OTAN em Londres, um President Trump menos identificado com uma arrogância e empáfia imperiais? Não? De uma outra olhada. Veja a postura de Trump sentado ao lado de Macron como aluno rebelde diante do professor severo. Onde está o sorriso de dinossauro, misto de antropofagia e desprezo autocrático? Onde foi parar o Trump das certezas inabaláveis e senhor do destino das democracias ocidentais?

Eminentes psiquiatras americanos atestam que Trump está com o ego ferido e, para sua personalidade narcísica, isto não é bom sinal nem para ele nem para o resto da humanidade. Os psiquiatras nos informam que o processo de impeachment está provocando fraturas óbvias em seu frágil arcabouço mental e se dispuseram a escrever uma carta ao Congresso dos Estados Unidos sobre os riscos que um Presidente crescentemente violento pode trazer para a sociedade americana.

Em outra devastadora análise da personalidade de Trump, Thimoty Snyder, respeitado historiador especializado em Rússia e professor da Universidade de Yale em seu livro “The road unfreedom” descreve as raizes e motivações de Putin para se aproximar de Trump desde os tempos pré - corrida eleitoral.

O que Snyder descreve ultrapassa em muito as diversas especulações sobre a influência de Putin no processo eleitoral americano e constitui verdadeiro e impensável processo de cooptação de um futuro Presidente dos Estados Unidos por razões comerciais, financeiras e psicológicas.

Trump teria recebido ajuda russa, sobretudo de milhardários ligados a Putin para saldar dívidas substanciosas em seus negócios particulares no ramo imobiliário. A leitura desse capítulo do livro de Snyder surpreende até mesmo os aficionados das tramas de espionagem de John Le Carré e explica as razões pelas quais Trump se recusa a apresentar sua declaração de imposto de renda ao fisco americano.

Talvez tão surpreendente quanto o aspecto financeiro será a descrição de Snyder sobre o uso robotizado da internet na construção de uma falsa imagem de Trump como um hábil negociador e na desconstrução de Hillary Clinton, vista pelos russos como uma candidata hostil aos interesses de Putin.

Depois dos escândalos que vieram à tona pela Cambridge Analítica e pelos mecanismos de utilização robótica nas redes sociais em diferentes eleições mundo afora, o processo eleitoral adquiriu forte conteúdo manipulativo como hoje lemos nos cotidianos.

Derivaria deste uso abusivo da tecnologia moderna a grande batalha sobre o 5G, em que os Estados Unidos de um lado e a China de outro procuram convencer seus clientes a optar por este ou aquele sistema.

De qualquer forma, Trump sabe que no ritmo em que vão as investigações da Câmara dos Deputados sobre suas diversas manipulações externas e internas pouco importa se o Senado americano aceite ou não abrir formalmente o processo de impeachment. O dano poderá ser imenso a Trump e a sua imagem, caso se configurem atos lesivos à segurança nacional, como a cada dia surgem indícios.

Não se pode esquecer porém que Trump já se revelou um inescrupuloso manipulador. Agora mesmo na reunião da OTAN mostrou sua tentativa de transformar limão em limonada. Numa típica saída monárquica, resolveu confundir sua personalidade com a personalidade jurídica do Estado. Abespinhado com a gozação que lhe faziam seus colegas do Canadá, do Reino Unido, da França e da Holanda, Trump resolveu cancelar sua participação na entrevista coletiva e partir de volta a Washington. Resmungou que os Estados Unidos não poderiam ser objeto de galhofa, dando início a um novo capítulo de dissabores entre aliados por uma razão pífia. Mas ,Trump sabe que parte de seu eleitorado o acompanhará nesta comédia de erros e certamente continuará a depositar nele a crença que se deposita em mitos.

Desta maneira, Trump evita elaborar em público as divergências entre ele e seus aliados europeus sobre a agenda da OTAN. Enquanto Macron insistia que o papel central daquele mecanismo de defesa atlântica seria ,como sempre foi, o de defender a Europa do expansionismo russo, Trump propõe que a OTAN se revitalize, deixe a Rússia em paz e se preocupe com o combate ao terrorismo.

Ocorre que as coisas não são tão simples na geopolítica da Eurasia. Aos russos interessa uma Europa menos unida e mais palatável ao controle almejado por Putin na Eurasia, em contrapartida aos projetos chineses de uma nova rota da seda. O indisfarçável apoio de Trump ao Brexit e a sua alma gêmea ,Boris Johnson, levaria a duas consequências óbvias: uma relação privilegiada entre o Reino Unido ( ou o que sobrar dele) e os Estados Unidos, (coisa que ainda nem começou e já está azedando) e uma maior capilaridade russa como fornecedor de energia para a Europa. Ao defender esta linha, Trump presta serviço aos russos, perturba o projeto chinês e coloca a Eurasia como polo quente da reconfiguração geopolítica da Ásia. Na prática ,o desenlace ideal para Trump seria congelar tanto quanto possível o crescimento da China e de sua tecnologia na Europa e ,com a bênção dos russos, dominar com o 5G americano a tecnologia do século XXI.

De valor menor, mas não desprezível, nesta arquitetura do “ novo mundo” supervisionado pelo Big Brother, entra a variável Brasil, país de recursos minerais, estratégicos, territoriais e demográficos apenas comparáveis aos da China,Rússia,Índia e dos próprios Estados Unidos. Trump não se faz de rogado quando se trata de explicitar o papel que os Estados Unidos esperam do Brasil. As recentes demonstrações de amizade calorosa a seu contraparte brasileiro deixam perceber que qualquer manifestação de eventual autonomia econômica ou política do Brasil será recebida com o devido repúdio e má -vontade. Não terá sido por outra razão que o chanceler brasileiro, meio sonado com o tuíte de Trump sobre as tarifas impostas sobre o aço brasileiro, preocupou-se em tranquilizar sua "constituency americana " ao asseverar que” de qualquer forma as medidas aplicadas contra as exportações brasileiras não nos desviariam do rumo tomado”. Isto é, não nos desviaríamos de uma política de estreito alinhamento com Washington. E o assunto hibernou aí. Sequer mereceu um comentário sério de Sua Excelência, o ministro da Economia. Viola no saco, diriam os mais lúcidos.

Estaríamos todos no melhor dos mundos se tudo estivesse correndo bem. Ocorre que não está. Os ridículos regurgitos da economia brasileira decorrem de velhas medidas incompatíveis com o evangelho segundo Guedes. Uso do FGTS ,facilitação do crédito imobiliário, responsáveis por pequenas oscilações do PIB ocorrem apesar do fundamentalismo econômico de Guedes e não por decisão dele. Guedes continua a defender a venda das estatais e a manutenção do arrocho social a qualquer preço. Taxar grandes fortunas ou lucros de dividendos são coisas do comunista francês Piketti.

E continuamos a seguir uma política cada vez mais destrutiva do sistema internacional capitaneada por Trump e acolitada pelo mais indiferente dos ministros de Economia ao real desenvolvimento do Brasil. Preocupado em levar a cabo uma politica anti-social, destruidora de milhões de famílias sem emprego formal, nosso ministro da economia nos pretende convencer de forma panglossiana que tudo corre no melhor dos mundos.

Tempos deploráveis. Tempos em que países soberanos e passíveis de um destino dos mais afortunados se deixaram levar por ideologias travestidas da verdade de Deus. Por Messias iluminados por luzes da ignorância ,quando não da má fé. Tempos de medo. Tempos de angústia e dúvidas sobre o destino de um país ,grande por defeito de nascença. Abortado de seus direitos à dignidade da vida por mais que se escreva esta frase nos grafites dos muros de rua e nas páginas da Constituição.

Tempos que só chegarão a seu fim quando a sociedade democrática se der conta que os tempos não se dão. E que ,ao contrário do que nos pregaram os arautos da desistência cívica, há alternativas sim para uma escravidão consentida.Os tempos se fazem como o pão de cada dia.

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Trump