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Paz na terra brasileira

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Uma imagem terrível publicada nos jornais me levou a mais um degrau na descrença do ser humano. Você certamente a viu. O jovem universitário chileno atingido nos olhos por balas ditas de borracha.Perdeu a visão de um olho e no outro depende de resultados cirúrgicos . Agora eu me pergunto. Terá sido uma casualidade, um golpe do destino, uma fatalidade a razão de este jovem universitário ter perdido a visão num protesto político nas ruas de Santiago? Ou terá sido por ódio diante de um inimigo da ordem estabelecida que um policial ou soldado tenha mirado dolosamente por duas vezes numa das partes mais nobres do corpo humano? Deixo a sua consciência a decisão da resposta.

Mas, nesta hora, impossível não pensar que, por iniciativa de nosso Ministro da Justiça, o Congresso brasileiro terá que se debruçar mais uma vez sobre a impunidade de agentes da ordem no combate a manifestações políticas ou não no Brasil. Não lhe percorre um certo frio na espinha ao saber que o governo insiste pela segunda vez nesta lei, que, se aprovada, faria do crime uma sucursal abençoada do autoritarismo mais bárbaro? Bárbaro no mesmo sentido que nos parece bárbara a degola de infiéis ao Islão.? Onde termina a defesa da ordem pública e começa o terrorismo de Estado? Minha geração o conheceu e pagou um preço inimaginável pela restauração do Estado de Direito Democrático. Lembremo-nos de Vladimir Herzog. Ou do Deputado Rubens Paiva. Eram eles terroristas?

Terríveis tempos estamos vivendo. Mas quantos jovens perderam a visão em Hong- Kong? As forças da ordem em Paris duelam por mais de ano com protestos sociais. Quantos franceses perderam a vida? Quantos ficaram cegos?

A manifestação pública contra o governo é um direito constitucional. Assim como é direito constitucional o governo evitar o caos e a violação da propriedade privada. Mas, não é direito de nenhuma parte recorrer à insanidade da repressão desproporcional e muito menos ainda estabelecer em lei que a parte mais forte tenha o direito de matar ou aleijar.

E o que espera o governo quando, pela segunda vez, põe nas mãos dos representantes do povo um projeto de lei que de forma vicária institui no país a pena de morte só admissível em casos de guerra? E o que espera o governo quando na mesma moldura propõe que os cidadãos possam se armar quase livremente? O que se pode esperar dos conflitos de ruas, dos desastres no trânsito, agora despidos de radares, de controles de velocidade e de seguro obrigatório? Será que exagero quando vejo nisto um regresso civilizatório? Uma volta às cavernas? Uma reverência à lei do trabuco?

O governo está completando um ano de gestão. Nos últimos dias cria um novo partido, cujo programa tem a grande vantagem de permitir ver com clareza o que nos meses deste ano fomos percebendo aos poucos, descrentes no início, temerosos no final. Ninguém mais tem o direito de se julgar iludido. Demos este reconhecimento a nossas autoridades. Como dizem os americanos , que este governo tanto admira, “what you see is what you get”o que você vê é o que você leva. Não há mais subterfúgios na hora de votar. Tomara todos os demais partidos sejam tão explícitos em seus programas. Muito mal-entendido seria dissipado.

Daí ser infantil imaginar que nosso Ministro da Economia não saiba que sua política econômica está aumentando a desigualdade social no país. Ele sabe que um arco de economistas de Arminio Fraga a Luiz Gonzaga Belluzzo se rebelam com sua indiferença diante do desemprego, da falta de politicas públicas e na forma desumana de conduzir a Macroeconomia. Pura perda de tempo.

Sua Excelência, também pretende implodir o Congresso nacional com propostas de emendas constitucionais que em parte já foram rejeitadas. O que lhe interessa é vencer pelo cansaço ou no mínimo se apresentar como vítima de uma classe política dita corrupta ou ideológica. Tristes tempos em que a mentira e a insensibilidade se dão as mãos em benefício de forças que em 1960 se chamavam de ocultas e hoje estão escancaradas.

Mas o que se faz se desfaz. O medo e ódio que levaram tantos a se iludir que o futuro do país repousa na megalomania de líderes presentes ou passados talvez sirvam de advertência final e nos iluminem, com a ajuda de um Congresso respeitador da Constituição, a mantermos a paz na terra brasileira. Sem o que nenhum desenvolvimento econômico será possível.