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Música onde o povo está. Ou não, como diz o Caetano.

Artigo fala sobre o cenário musical brasileiro e as polêmicas

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O Milton disse que a música brasileira tá uma merda. Eita. Parece que virou moda figura pública abrir o verbo. Talvez o bolsonarismo tenha trazido isso de (semi) bom. Enfim. Tentar julgar o artista ou o jornalista seria tão inútil quanto potencialmente impreciso. O assunto em si é muito mais interessante, até porque quem nunca chamou música (ou arte) de nome feio jogue a primeira pedra e pode ler outra coisa que não esse presunçoso aqui.

 

Para muitos de nós, o que nosso grande ídolo mineiro apupou está mesmo na categoria de porcaria, assim como Chico, Fernandona e etc estão em categoria pior ainda para os bolsonaristas, por exemplo. É uma discussão sem fim, mas se há uma coisa de que ninguém abre mão é julgar arte implacavelmente. Parece que está no nosso DNA.

 

Lembrei de um colega de TI, um cara espiritualizado e com formação superior, super articulado, para quem o Milton "só tinha Travessia e mais nada". O cara achava Maria Maria, Morro Velho e etc lixo cultural. Fazer o quê? Aceitar, é o único remédio. Nós e o Bituca. Mais do que ninguém, ele sabe muito bem que o artista tem de ir onde o povo está - o que implica em o povo ser soberano nessa coisa de achar arte boa ou ruim.

 

Talvez não se devesse comercializar arte, ou talvez no futuro longínquo, sendo ela ainda comercializada ou não (espero que não), todos tenham uma mesma impressão do que seja bom ou ruim artisticamente, da mesma forma, por exemplo, como é raro achar hoje no mundo quem defenda o racismo - espero que seja o caso, e que nesse futuro perfeito, todos concordem comigo, lógico, sobre qual arte é, ou não, boa. Quem não?

 

Ora, nada mais inerente ao cidadão civilizado que o julgamento do que é bom e ruim artisticamente. Raras vezes mudamos de opinião nessa seara sem que haja um longo caminho percorrido, pelo qual nos tornamos mais civilizados ainda. O consenso no julgamento artístico é, e será por bom tempo, impossível; as opiniões tão diametralmente opostas quanto válidas sobre o que seja arte boa ou ruim são o que temos para hoje.

 

Por exemplo, enquanto escrevo, ouço o espetacular, sublime e super-original Metheny/Meldhau, um material que, aos meus ouvidos, soa como néctar cósmico, mas que para meu amigo aí de cima será, simplesmente, algo como uma música de elevador ou um jazz mal feito. De novo: fazer o quê?

 

Caramba, quem não quer dizer o que pensa assim em alto e bom som? Bituca talvez estivesse querendo elogiar quem está mandando bem, e não o contrário.

 

Como seria bom que o mundo percebesse que tudo que não é verdadeiro na arte tem pouco ou nenhum valor como tal... como seria legal que todos refletissem sobre isso! Pois essa é a única forma que encontrei para filtrar as artes: quanto maior o grau de verdade mais respeitável é. Gosto se discute sim - dentro desse limite é questão de gosto, e tentar convencer o amigo que esse disco que está rolando aqui vale a pena ouvir é coisa que eu nunca deixareei de fazer.

 

Hoje ouvi por aí muito dessa música que o Milton apupou, na rua, nas lojas. Muita coisa me pareceu verdadeira, e curti. Não compro disco, mas gosto da Anitta, da Pablo. São de verdade e cantam muito bem, as duas. Lá nos anos 80 minha turma xiita xingava se alguém colocasse Biquini Cavadão na festa. Hoje, no mar dos proibidões, a gente comemora como gol e parabeniza o DJ até se rolar Rádio Táxi.

 Assim são as coisas. Bom pro Bituca que ele desopilou. Vai chegar o dia que a gente vai deixar de achar tão diferente assim um cara famoso, a gente mesmo ou outro anônimo qualquer chamar o que for de merda. Se liga não, Milton. Tá cheio de gente por aí que acha Metheny um saco. Vamos em frente. Ou não.

*Eduardo Braga é instrumentista, cantor e diretor musical dos espetáculos Para Lennon e McCartney – Os Beatles e o Clube da Esquina e Jazzin’ Minas