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O enganoso discurso de preservação da Amazônia para manter incentivos na Zona Franca

Dados do Inpe e do Portal da Transparência do Estado do Amazonas mostram aumento desenfreado do desmatamento na região e redução da gestão ambiental

ARTE JB -
JB ARTIGOS
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Nesta terça-feira (1), entra em vigor a alíquota do IPI de 10% para fábricas de concentrados de refrigerantes na Zona Franca de Manaus, no Estado do Amazonas, que, apesar de registrar aumento do PIB, apresenta salto no desmatamento e queda na gestão ambiental. Conforme o Decreto nº 9.897/2019, assinado em julho pelo presidente Jair Bolsonaro, o novo porcentual valerá até 31 de dezembro, beneficiando multinacionais do setor, como Coca-Cola e Ambev. O decreto não fixa alíquota para os próximos anos.

Com o decreto, o governo federal restabelece parcialmente os benefícios tributários para as multinacionais do segmento de refrigerantes na Zona Franca. Em maio de 2018, o ex-presidente Michel Temer reduziu de 20% para 4% o tamanho da devolução feita para as empresas em crédito pelo pagamento de IPI. A redução foi uma das ações de Temer no pacote caminhoneiro como forma de compensar perdas de arrecadação decorrentes de outras medidas voltadas para a categoria. Depois de muita pressão das multinacionais do setor, Temer editou novo decreto que restabeleceu de 4% para 12% a alíquota do IPI no primeiro semestre de 2019. No segundo semestre, porém, a alíquota cairia para 8% e voltaria a ser de 4% em 2020.

Os defensores das fábricas de concentrados na Zona Franca de Manaus alegam que atuam pelo desenvolvimento do Amazonas e preservação da floresta. No entanto, as recentes queimadas na área comprovam as contradições desse enganoso discurso político de que é essencial a manutenção dos incentivos fiscais na ZFM para assegurar a preservação da Amazônia.

De acordo com os dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e da SEPLANCTI/AM (Secretaria de Estado de Planejamento, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado do Amazonas), o Estado do Amazonas vem apresentando gradativos aumentos de seu PIB entre os anos de 2013 a 2018. Neste período, seu PIB passou de R$ 83.051 bilhões para R$ 98.754 bilhões, um considerável acréscimo de 18,91%.

Em contrapartida, no mesmo período, o Estado teve uma diminuição de 48,61% em seus investimentos no subsetor de gestão ambiental, de R$ 117.581 milhões para R$ 60.423 milhões, conforme mostram os dados do Portal da Transparência do Estado do Amazonas.

Além disso, os dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) revelam que as áreas de desmatamento no Amazonas subiram, de 48 mil para 93 mil hectares, o que corresponde a um aumento de 93,75%, entre 2013 a 2018, em outras palavras, significa dizer que o atual desmatamento na região consiste em cerca de 357 campos de futebol por dia.

Entre os anos de 2013 a 2018, se comparados os dados do Inpe e dos Portais da Transparência relativos aos nove Estados que compõem a Amazônia Legal (Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins), cinco Estados (Acre, Maranhão, Mato Grosso, Pará e Roraima) vêm aumentando a alocação de receitas destinadas ao subsetor de gestão ambiental. Quatro deles (Amapá, maranhão, Roraima e Tocantins) têm diminuído os percentuais de áreas de desmatamento dentro da floresta amazônica.

Além disso, para o mesmo período, o Amapá teve menos desmatamento e um registro agregado de 10.060 hectares, enquanto que o Amazonas ficou em 463.520 hectares. Isso corresponde a mais de 46 vezes o valor do Amazonas, segundo o Inpe. Mesmo considerando a área de desmatamento em razão da extensão do território, o valor agregado do Amazonas (1 hectare desmatado a cada 336 hectares) supera o do Amapá (1 hectare desmatado a cada 1.411 hectare), em torno de 320%.

Dados do IBGE mostram que o Estado do Amapá apresenta um PIB médio na década (R$ 12.483 bilhões) de aproximadamente 15% o do Amazonas (R$ 81.380 bilhões), ou seja, menos de um quinto do valor deste. O Amazonas tem o terceiro maior PIB dos Estados que compõem a Amazônia Legal.

Diante do cenário exposto, os dados acima explicitados desmascaram os discursos políticos incessantemente proferidos sobre esse tema no Congresso Nacional, em especial por parte dos parlamentares representantes do Estado do Amazonas. Verifica-se, deste modo, uma nítida incompatibilidade entre esses calorosos discursos e a realidade que os dados trazem à tona, o que levanta uma crucial indagação: até que ponto interesses pessoais escusos estão norteando o obscuro rumo do futuro da Floresta Amazônica?

*Mestre em Engenharia Civil e Meio Ambiente pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e consultor ambiental e de economia