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O aumento abusivo dos planos de saúde coletivos e a falta de fiscalização da ANS

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Recentemente a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) divulgou o percentual máximo de reajuste das mensalidades relativas aos planos de assistência à saúde, individuais e familiares. Segundo a agência reguladora, nesses contratos de seguro ou plano de saúde as mensalidades não poderão sofrer reajustes maiores do que 7,35%.

Se, por um lado essa notícia é recebida de bom grado pelos beneficiários desses planos, por outro soa como uma afronta àqueles que aderiram a contratos de seguro ou plano de assistência à saúde coletivo empresarial ou por adesão, cujos beneficiários jamais foram agraciados com reajuste nesses patamares e que aguardam ansiosamente por parte da ANS a regulamentação sobre a forma de reajuste das mensalidades de seus contratos e uma maior fiscalização sobre a aplicação do reajuste.

A realidade é que as operadoras de planos de assistência à saúde encontraram nos planos coletivos por adesão e empresariais a alternativa para driblar os entraves impostos tanto pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) como pela Lei dos Planos de Saúde (Lei nº 9.656/98), aos contratos individuais e familiares.

Por conta dessa forte regulamentação incidente sobre os planos individuais e familiares, cuja lei, inclusive, confere atribuição legal à ANS para estipular o reajuste das mensalidades,as operadoras reduziram a disponibilidade desses contratos aos consumidores, passando a oferecer os planos coletivos por adesão e empresariais, onde o interessado se filia através de entidades de classe ou associação corporativa, em substituição aos planos individuais e familiares, atraindo-os com a promessa de uma rede credenciada ampla e de melhor qualidade sob preço módico e acessível.

Ainda que tentadoras, as benesses ofertadas transmitem uma falsa percepção de vantagem aos novos aderentes, quando, na verdade, essas modalidades de contratação escondem uma série de condições extremamente desvantajosas impostas pelas operadoras como condição indispensável ao negócio, sobretudo porque, paradoxalmente as regras para os planos individual e familiar não se aplicam aos planos coletivos.

Significa dizer que, nem o limite imposto pela ANS para o aumento das mensalidades, nem a proibição de cancelamento ou rescisão contratual unilateralmente pela operadora estão presentes nestes contratos, circunstâncias que permite o livre ajuste da mensalidade por parte das operadoras, inclusive cumulando com uma série de fatores para revisão do preço, como mudança de faixa etária do beneficiário, aumento dos custos de serviços médicos, de materiais e insumos, dentre outros; como também estão livres para, imotivadamente e a qualquer momento, rescindir o contrato, surpreendendo o beneficiário na hora em que mais precisa.

De todas as condições inseridas nestes contratos a mais censurável e que tem gerado embates judiciais diante de sua reprovável e indiscriminada utilização, é a possibilidade de as operadoras reajustarem a mensalidade em função da sinistralidade. Por esta cláusula as operadoras podem aumentar ilimitadamente a mensalidade do plano, sob a premissa de se devolver ao contrato o equilíbrio financeiro, desestabilizado por uma suposta “superutilização” dos serviços de saúde em um dado período.

É, pois, em razão dessa estipulação contratual, em grande parte, redigida de forma obscura, incompreensível e indecifrável, que as operadoras de planos de assistência à saúde reajustam as mensalidades dos contratos coletivos em percentuais astronômicos, bem acima daquele estabelecido pela ANS para os planos individuais e familiares. Essa situação retira dos contratantes a possibilidade de compreensão e de prévio conhecimento sobre a forma e o modo de como se deu o reajuste em tal proporção, sobretudo porque, na maioria das vezes, essas cláusulas vinculam a apuração da sinistralidade através de uma equação matemática, cujas variáveis vão desde o valor da arrecadação dos prêmios e o gasto com as despesas assistenciais de outros contratos, tudo apurado de forma unilateral pelas próprias operadoras.

Sem a transparência que deve existir na redação da cláusula e considerando que os cálculos das taxas de uso nunca são apresentados aos consumidores, não há a comprovação dessa “superutilização” à justificar a sinistralidade, isto é, o alto consumo, caracterizando a violaçãoao direito à informação clara e adequada resguardada ao consumidor no artigo 6º, III do Código de Defesa do Consumidor, de sorte que a imposição de obrigação excessiva, que cria exagerada desvantagem ao permitir a variação unilateral do preço é manifestamente nula, pois contraria as disposições contidas no artigo 51, incisos IV e X do Código de Defesa do Consumidor.

Daí que a abusividade pode e deve ser combatida. O consumidor contratante dos planos de assistência à saúde coletivo empresarial ou por adesão que se sentir lesado em razão de aumento substancial, injustificado e sem clareza nas informações prestadas pela operadora pode discutir em Juízo esse aumento. Nesse sentido, as recentes decisões do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo se alinham no sentido de que, ainda que seja permitido às operadoras de planos de assistência à saúde estabelecer a sinistralidade como uma das formas de reajuste de sua mensalidade, este deve ser comprovado de forma clara e objetiva ao consumidor, sob pena de serem consideradas indevidas, inclusive com determinação de restituição de valores indevidamente pagos pelos consumidores.

Não se pode perder de vista que os convênios médicos prestam os serviços de saúde em regime complementar e suplementar ao Estado, por se tratar de direito fundamental do indivíduo e da sociedade, de modo que aquele que resolve atuar no campo da saúde, não pode agir como se sua atividade fosse meramente mercantil (Lei 8.080/90, artigo 22). Saúde não é comércio.

Resumindo, seja pelo dever de informação, quase sempre violado em alguns contratos, seja pela inexistência de prova eficaz e robusta da ocorrência da sinistralidade ou de aumento de custos médico-hospitalares, o Poder Judiciário poderá ser acionado para limitar os reajustes anuais aplicados em planos de saúde coletivos aos índices previstos pela ANS, enquanto não sobrevier regulamentação específica para esses contratos.

Thiago Soares, advogado da área Cível da Advocacia Cunha Ferraz

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