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O "catch 22" da diplomacia brasileira

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Nosso chanceler, com sua habitual modéstia, não hesitou em propagar que a assinatura do acordo União Europeia - Mercosul se deveu à filosofia olavoterraplana da diplomacia por ele inaugurada no Itamaraty. Não deixou igualmente de dar uma ferroada em chanceleres e diplomatas negociadores dos últimos 20 anos. Se há uma coisa que me faz sorrir é a pretensão e água benta com que nos brinda frequentemente o chanceler. Será que ele realmente acredita que tenha bastado a voz autêntica e autoritária do novo Brasil, por ele chanceler enunciada, para dissipar todos os óbices que por mais de 20 anos impediram o Brasil de chegar a acordo com os europeus? Ou será que, tangido pela necessidade de mostrar que sua diplomacia ideológica até as entranhas é capaz de se tornar arguta, os brasileiros abriram mão de pontos sensíveis na negociação e fecharam um acordo danoso para o país?

Pergunta que só poderia responder se conhecesse os textos acordados. Mas, o Itamaraty não se dignou a colocá-lo em seu site e ficamos apenas embalados com as notícias oficiais de que rompemos a barreira do som, pousamos na lua e levantamos as arquibancadas. Já que o resultado foi tão bom para nós,por que não divulgá-lo? Modéstia?

Tenho visto na imprensa sucessivos louvores ao acordo e me pergunto se os nobres jornalistas tiveram acesso aos textos para serem tão afirmativos. Tenho também ouvido, às vezes de forma mais contida, reclamações de setores industriais prejudicados. E finalmente, tenho ouvido a sabedoria acaciana de que em todo acordo há perdedores e ganhadores. Como se o importante não fosse saber o que se perde e o impacto desta perda para o desenvolvimento social e econômico do Brasil.

Forçoso reconhecer que a negociação em Bruxelas foi facilitada pela inexistência de um plano de governo e de seus interesses externos, desde a instalação do ministro Paulo Guedes como czar da economia brasileira.A inexistência de um contraditório entre os ministérios da indústria e do comércio,do planejamento e o das relações exteriores terá deixado os negociadores brasileiros ,que sempre pautaram seus acordos por linhas sinuosas de interesses contraditórios entre esses ministérios e outros como,por exemplo,o ministério da agricultura, provavelmente terá permitido que pontos cruciais nas negociações até 2018 se tenham tornado desprezíveis em 2019.

Dirá o leitor que especulo. E concordo,mas especulo com base na realidade que nos tem sido revelada a conta-gotas pelo ministro da economia. Sua excelência nos tem iluminado desde janeiro com sua concepção neoliberal do mundo, da importância de se afastar o Estado do mercado, de se eliminarem não só tarifas alfandegárias,mas também regulamentações nas entradas e saídas de fluxos internacionais financeiros , de não criar empecilhos aos investimentos estrangeiros quaisquer que sejam suas reivindicações sobre liberdade de instalação e não sujeição às leis e às cortes nacionais. Se acrescentarmos neste rol a árdua e ardilosa questão das patentes farmacêuticas e a impossibilidade de produção de genéricos, teremos um rol quase completo dos pontos nodais das negociações comerciais no acordo com a União Europeia.

E aqui chego ao catch 22 em que nos encontramos. Se os impasses anteriores deixam ,na concepção do ministro da Economia ,de serem relevantes para o Brasil ,é inócua, senão fútil, qualquer tentativa de evitar que esses pontos cruciais permaneçam como impasse na negociação internacional. Eliminados esses pontos ou, melhor dito, aceitas as demandas dos europeus sobre esses pontos, o acordo se fecha sob os aplausos da OCDE e da Big Pharma . Wall Street agradecerá . O catch 22 reside no fato de esta nova linha de negociação não ter sido discutida fora de um círculo muito restrito do governo. E certamente não o foi porque ,se tivesse sido, provavelmente encontraria muitos obstáculos. Mas,no momento em que esses pontos foram acordados num instrumento internacional,os defensores do neoliberalismo usarão o argumento que o que se aceitou é a moeda corrente do mundo moderno e que rejeita-lo seria impedir a entrada dos mirabolantes bilhões de dólares já contabilizados na imaginação fértil de alguns economistas. Sendo assim, não só aceitaremos o acordo, mas também aplaudiríamos a genialidade do Czar que se antecipou aos fatos. Não foi a Bruxelas nem a Osaka, mas é o único e real vencedor desta mesa de pôquer. Ave César.

Resta ao Congresso a palavra final. Seria de toda conveniência abrir audiências públicas antes de decidir sobre a ratificação. Certamente há no acordo constrangimentos constitucionais e risco a nossa soberania, Além do mais, bom não esquecer que ,aprovado o acordo,os preços dos medicamentos tendem a aumentar muito e quem mais sofrerá serão os idosos e as crianças. Como o neoliberalismo de Guedes pretende eliminar os descontos de despesas médicas e de educação no imposto de renda, o acordo União Europeia - Mercosul é mais um aperto no bolso do brasileiro ,cada vez mais esquecido nas planilhas de contabilidade nacional.A indústria brasileira saberá se defender ou naufragar sozinha.
Confesso que tenho saudades do Geisel e do Silveirinha.