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Esperando Godot

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Virou voz corrente repetir o que críticos da política econômica vinham dizendo há algum tempo: não haverá recuperação em 2019 e, pelo andar da carruagem, tampouco em 2020. O que provocou a revisão generalizada das expectativas foram os dados pífios dos meses recentes e, sobretudo, a forma como o governo encaminhou a política econômica. Nada foi feito para tirar a economia do estado letárgico. Ou praticamente nada: a equipe econômica apresentou, é verdade, uma proposta ambiciosa de reforma da Previdência. Mas já se percebe, em toda parte, que a reforma, mesmo aprovada integralmente pelo Congresso, não traria a recuperação econômica.

A abordagem do governo retoma ideias testadas e refutadas (até onde é possível refutar alguma coisa em economia) em vários países. A noção central é uma aposta irrealista no fator confiança, isto é, a crença de que a implementação de reformas estruturais leva à retomada da confiança, estimulando o consumo e o investimento privados.

Não é que o fator confiança seja irrelevante. Um dos determinantes do gasto privado é, certamente, a confiança na solidez das políticas públicas. Acontece que o efeito dessa variável sobre as decisões de investir e consumir é especialmente difícil de prever. O impacto de reformas sobre a confiança privada tende a ser limitado, principalmente no curto prazo. Quando a confiança inicial é baixa e reina o ceticismo, como no Brasil atual, os agentes econômicos “pagam para ver”, isto é, aguardam para se certificar de que as reformas anunciadas serão implementadas e, se implementadas, serão sustentadas ao longo do tempo.

Além disso, para que haja impacto líquido positivo sobre a demanda, o aumento da confiança tem que ser forte o suficiente para mais do que compensar efeitos potencialmente recessivos associados às reformas. É que reformas fiscais estruturais têm frequentemente um componente contracionista, geralmente por causa de cortes de gasto público. Além disso, numa economia com conta de capitais aberta e câmbio flutuante, um aumento da confiança pode induzir a entrada de capitais, levando a apreciação cambial com impacto potencialmente adverso sobre as exportações líquidas e, portanto, sobre a demanda agregada.

Assim, reformas estruturais podem trazer, na melhor das hipóteses, um pequeno impulso positivo sobre o crescimento no curto prazo. No caso atual do Brasil, a expectativa é (ou era) que uma única reforma – a da Previdência – seria capaz de levantar a economia. O irrealismo saltava aos olhos.

Se o efeito confiança é duvidoso ou pequeno, de onde poderia vir o estímulo para o crescimento? Não existe, nem aqui nem em lugar algum do mundo, recuperação “espontânea”. As recuperações são sempre induzidas – induzidas por estímulos do governo à demanda ou, no caso de economias pequenas e abertas, por um “boom” exportador puxado por demanda externa, melhora nos termos de troca ou descobertas de recursos naturais exportáveis. No caso de uma economia continental como a brasileira, com grau de abertura comercial baixo, o recomendável seria combinar reformas estruturais bem pensadas com algum keynesianismo dos lados monetário e fiscal.

Em seis meses de governo, não apareceram reformas bem pensadas e nada se fez para estimular a demanda. Falou-se em liberar recursos do FGTS, o que poderia dar algum alento ao consumo. Porém, mesmo essa medida modesta ficou condicionada à aprovação da reforma da Previdência. Fala-se, também, em diminuir a taxa Selic, o que poderia ter sido feito já no ano passado. Mas aí vem o Banco Central e justifica o seu imobilismo, do mesmo modo, apontando para as dificuldades na aprovação da reforma. Estão todos esperando Godot.

Há quem duvide que a diminuição da Selic possa fazer grande diferença em termos de demanda adicional. De fato, em condições de estagnação persistente e hiato do produto elevado, acionar a política monetária pode ser insuficiente, equivalendo no limite, como notava Keynes, a “empurrar uma corda” (push on a string). A frase, atribuída a Keynes, talvez nunca tenha sido dita por ele, mas parece captar o seu ponto de vista no tempo da Grande Depressão. Numa economia deprimida, como a brasileira, a política monetária precisaria ser complementada por ativismo fiscal, de preferência via retomada do investimento público. A própria queda do custo da dívida, decorrente da diminuição dos juros, abriria algum espaço para usar a alavanca fiscal.

* O autor é economista, foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS em Xangai, e diretor executivo no FMI pelo Brasil e mais dez países.

E-mail: [email protected]

Twitter: @paulonbjr

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