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Feliz dia das mães para quem?

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Para as mães das crianças da Orquestra Maré do Amanhã, a data será de medo, preocupação. Os meninos e meninas ensaiavam dentro da escola, quando ouviram os tiros de uma operação policial e foram obrigados a se abaixar e se esconder em um corredor para não serem atingidos. Feliz dia das mães para quem?

Para as mulheres cujos filhos saíam da aula quando disparos vieram do céu e os obrigaram a correr em pânico, conforme mostraram as fotos que estamparam jornais e sites de notícias, o domingo será de insegurança, de angústia sobre o presente e o futuro de suas crianças. Estudantes que aparecem com os rostos embaçados, pois não podem ter as fisionomias expostas em situações constrangedoras. A determinação está no Estatuto da Criança e do Adolescente, que assegura, “por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade”. Está lá, no artigo terceiro. “Os direitos enunciados nesta Lei aplicam-se a todas as crianças e adolescentes, sem discriminação de nascimento, situação familiar, idade, sexo, raça, etnia ou cor, religião ou crença, deficiência, condição pessoal de desenvolvimento e aprendizagem, condição econômica, ambiente social, região e local de moradia ou outra condição que diferencie as pessoas, as famílias ou a comunidade em que vivem”. Está lá, logo adiante, no parágrafo único.

Mas vivemos um momento em que os estatutos não têm mais valor. Nem o da Criança e do Adolescente nem o do Desarmamento. Feliz dia das mães em um país em que as pessoas terão posse e porte de armas, mas as mães não poderão mais desejar um filho mestre, doutor, pesquisador, sociólogo, professor de filosofia ou história? Feliz dia das mães para quem?

Para a mãe da jovem química de 26 anos que desabafou nas redes sociais que teria de trancar o seu doutorado na Universidade Federal do Triângulo Mineiro porque, apesar de ter sido aprovada em segundo lugar pelo programa de pós-graduação do estado, teve a bolsa recusada, certamente o dia das mães não será dos mais felizes. “É como se fosse um sentimento de luto (...) Não sei dizer o quanto já chorei”, escreveu a pesquisadora na sua rede social, que teve mais de cinquenta mil compartilhamentos. No ofício enviado pela Capes – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – aos pró-reitores de pós-graduação das universidades públicas de todo o país, está escrito que, devido ao bloqueio imposto pelo governo federal, as bolsas e taxas escolares concedidas mas ainda não utilizadas serão recolhidas. Ou seja, a doutoranda mineira não será a única a abrir mão obrigatoriamente da bolsa de pesquisa para a qual se preparou durante anos de estudo e dedicação. Feliz dia das mães para quem?

Para as mães que têm filhos ainda pequenos na escola e que não precisam enfrentar as tais operações policiais com tiros que vêm do céu, no Complexo da Maré? Não. Porque todas as mães se preocupam com a educação dos filhos. E porque a educação básica teve cortes de mais novecentos milhões de reais, só na infraestrutura. Além de quinze milhões de reais congelados na educação infantil e catorze milhões de reais, que seriam utilizados na alfabetização de jovens e adultos, também foram cortados. Feliz dia das mães para quem?

Para Luciana Oliveira, que perdeu o marido atingido por oitenta tiros disparados por uma equipe do Exército há um mês, também no Rio de Janeiro? Não me sai da cabeça a declaração que ela deu à imprensa, aos prantos, logo após a execução do músico e pai do seu filho: “perdi meu melhor amigo”. Luciana e Evaldo, o pai assassinado, eram casados há 17 anos. O primeiro dia das mães de Luciana sem o marido, pai de seu filho e seu melhor amigo será, de fato, feliz?

Feliz dia das mães para quem? Responda, se você ainda tiver estômago neste 2019 cinzento e distópico.

Jornalista