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Administração à brasileira ou salve-se quem puder

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O escritor José Saramago dizia para não termos pressa, mas também para não perdermos tempo. A historinha a seguir é conhecida, mas vale que a recordemos. O Brasil foi convidado para um evento internacional de remo. Competindo com os japoneses, em uma eliminatória, chegamos com uma hora de atraso em relação a eles. Foram feitas várias reuniões para averiguar a causa da derrota. Eis o resultado, após a compra de um software criado especialmente para este fim. Na equipe japonesa, havia um chefe de equipe e 10 remadores; na equipe brasileira, 10 chefes de equipe e um remador.

Inconformados, os brasileiros remodelaram a equipe para a competição seguinte. Perdemos novamente, com atraso de 2 horas. Mais uma vez foram convocadas reuniões. O presidente da federação de remo contratou coaches da Europa. Eis as equipes que competiram: na japonesa, havia um chefe e 10 remadores; na brasileira, um chefe de equipe, três chefes de departamento, seis auxiliares de chefia e um remador.

Novos estudos foram realizados e uma auditoria foi adicionada, levando em conta conceitos como resizing, downzing, GQT, Just in Time, PQP. Foram contratados jornalistas e economistas com pós-doutorado em Harvard para opinar com seus pós-modernos conceitos de compliance transversa sistêmica, reformularam uma vez mais a equipe. Porém, na hora da competição, o Brasil chegou com 3 horas de atraso. Novas e urgentes reuniões foram convocadas. As equipes: no Japão, 1 chefe e 10 remadores; no Brasil... bem... 1 chefe de equipe, 3 chefes de departamento, 2 analistas de O&M, 2 controllers, 1 auditor independente, 1 gerente de qualidade e... 1 remador.

Depois de muita discussão, chegaram à brilhante conclusão a seguir: o problema era, claro e evidente... do remador, que, com certeza, por culpa de influência do sindicato esquerdista e por causa de sua falta de treinamento não era capaz de exercer sua atividade com eficiência e produtividade, além de estar mais preocupado com sua aposentadoria privilegiada de 1 salário mínimo e com o atendimento no SUS. Solução proposta: reformar a Previdência, privatizar a rede de saúde e terceirizar a equipe toda. A diretoria está aguardando a próxima competição e está confiante de que agora vai!

Bem, segundo o economista Joseph Stiglitz, Nobel de Economia, há algumas ideias equivocadas que precisamos ter em mente ao discutirmos políticas públicas na área da economia: 1 - a crescente centralização do poder em grandes blocos corporativo-financeiros; 2 - a riqueza excessiva originada da apropriação rentista; 3 - a redução do ritmo de criação de empresas inovadoras; 4 - o capital passou a se reproduzir mais rápido com a financeirização; e 5 - os Estados Nacionais, aprisionados pelo sistema financeiro, se tornaram os garantidores desse processo todo. Ou seja, o endividamento público não cresceu para atender as necessidades dos povos, mas para garantir a reprodução acentuada e continuada do rentismo. Contudo, endividamento estatal para melhorar a vida da população, como um todo, causa déficit público, segundo esse (pseudo)liberais.

Os pobres, no Brasil, só vêem o Estado na forma das autoridades de segurança e na hora de pagar impostos. Pobre não é sinônimo de criminoso e favela não é sinônimo de território violento, a priori, senão por uma construção histórica e espacial. Administrar é muito mais do que saber usar planilhas eletrônicas e controlar o livro caixa; administrar o poder público exige uma dose muito grande de dedicação às causas humanitárias. O poder público existe para prestar serviços públicos e, como as demandas humanas (por saúde, educação, segurança, transporte, preservação ambiental etc.) são infinitas, o atendimento dessas necessidades tem que priorizá-las. Claro, os recursos e a gestão são finitos, mas se já é assim, repito e friso, a gestão pública deve, obrigatoriamente, priorizar o atendimento dos serviços públicos e não o serviço da dívida pública!

A administração pública brasileira é, no geral, bem retratada pela conhecida historinha da corrida a remo. Mas o que é importante frisar é que essa situação não é uma condição natural, mas uma construção sócio-espacial e, como tal, passível de ser modificada para o benefício de todos e não apenas daqueles que, sendo ricos e poderosos, abocanham os fundos públicos para seu benefício pessoal. Está na hora de pararmos de dar ouvidos para os supostos especialistas de mercado que nos bombardeiam com teorias mirabolantes, mas que afundaram este país e que propugnam, para nossas sucessivas e recorrentes crises, mais do mesmo, mais daquilo que as causaram. Abre o olho, povo brasileiro!

* Geógrafo e pós-doutor em Geografia Humana