O assunto de hoje surge de um vídeo que viralizou nas redes sociais. A gravação, divulgada por uma empresa de acessórios esportivos, mostra mulheres em situações de emoção extrema: algumas choram num pódio ou após vencer uma competição, outras gritam para motivar a equipe, fazem força numa luta de boxe ou numa corrida. A música é linda e a narração, feita por uma mulher, impactante. O ponto central do texto narrado é: todas as vezes que nós, mulheres, damos vazão à emoção somos chamadas de loucas. Ao assistir, enviei para várias amigas que, imediatamente, se identificaram.
Recebi o vídeo de um homem, jornalista, 24 anos, desses que já nascem feministas - sim, existem homens feministas. O Gabriel Tieppo é meu filho e leitor. Crítico e entusiasmado, sugere temas e faz observações quando acha que exagerei no tom. Ele me enviou o vídeo, com a indicação: "olha que legal. Para inspirar os seus artigos." Inspirou. E levantou discussões. Um vídeo feminista enviado por um homem. Que bom.
O assunto é grave. A promotora de Justiça Fabíola Sucasas alerta: "A pesquisa 'Visível e Invisível' sobre a vitimização de mulheres no Brasil, do Instituto Data Folha e Fórum de Segurança Pública, aponta que 16 milhões de mulheres sofreram algum tipo de violência nos últimos doze meses; em 21,8% dos casos, violência moral e psicológica que, segundo a Lei Maria da Penha, é entendida como qualquer conduta que cause dano emocional e diminuição da autoestima da mulher ou que prejudique e perturbe o seu pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões. Dentre os vários exemplos, chamar a mulher de 'louca' é um deles, prática conhecida por gaslighting. Trata-se de um abuso emocional que visa causar confusão mental na vítima, invertendo a culpa ou a atribuição da responsabilidade de determinado fato à própria mulher, levando-a a acreditar que sua reação é tão desproporcional e descabida, que beira à loucura". As consequências são as piores possíveis, como enumera a promotora: "este tipo de violência é utilizado para manipular a vítima e convencê-la de que ela não tem senso crítico racional, colocando a sua percepção em dúvida e afastando qualquer valor razoável que possa ser atribuído a seus argumentos. Ela fica confusa e insegura, diminuindo a sua capacidade de julgamento e proteção, permitindo que o agressor potencialize seus instrumentos de dominação e controle e que a vítima permaneça sob as algemas do abuso em um relacionamento. As consequências para a saúde podem ser fatais; depressão, estresse, problemas de sono, de alimentação, uso e abuso de substâncias psicoativas e álcool".
Dentro do debate, a produtora cultural Bia Mantovani acrescenta que "é recorrente que a sociedade como um todo tente nos encaixar em certos padrões. Isso é o que o machismo e o patriarcado presentes na nossa estrutura social colocam na nossa cabeça: que temos de nos encaixar, agir de um certo modo e somos constantemente fiscalizadas por isso". Ela cita: "lembro de uma aula sobre feminismo que assisti há alguns anos e a professora chorou ao falar do tema. A plateia ficou muda. Depois de uns minutos, enxugou as lágrimas e pediu desculpas. Em seguida, ela mesma retificou: desculpas nada, o que eu tive aqui foi uma reação humana completamente normal, algo da emoção. E ainda questionou: se eu estivesse rindo, tudo bem? Com isso, ela mostrou que essa atitude de chorar é considerada 'fraca' e 'menor' porque é associada à natureza feminina, que o choro mostra descontrole, algo 'típico das mulheres'. A partir desse dia, eu comecei a prestar mais atenção em quantas emoções nós, mulheres, reprimimos por medo de sermos julgadas e taxadas de loucas", conclui.
A rotulagem de "louca" está em situações inacreditáveis, no dia a dia profissional das mulheres. "Somos tomadas por loucas, quando vamos acompanhar uma perícia e, pasme, o próprio perito nos olha diferente. Colocamos bota, capacete, entramos na obra, e todos nos olham nos achando loucas Não consigo entender onde está o manual do que é ambiente feminino ou masculino. O olhar desconfiado não apenas do colega, mas também do magistrado, hoje, não nos intimida mais!", desabafa a advogada trabalhista Natalie Lourenço, que, além de mulher, enfrenta olhares diferentes no ambiente profissional por ser negra.
O debate é longo, mas precisamos encerrar, por ora. E, como sugestão da promotora Fabíola Sucasas, vale mencionar Lady Gaga, que brilhou na cerimônia do Oscar, com um discurso que vence qualquer rótulo: "não é sobre quantas vezes você foi rejeitada, caiu e teve que levantar; é sobre quantas vezes você fica em pé, levanta a cabeça e segue em frente".
* Jornalista e mestranda em Psicologia Social pela USP