A expressão backlash (“forte reação”, em tradução livre) é usada nos Estados Unidos, em referência à resistência popular contra inovações que confrontem valores consolidados. Também lá o termo é usado, em Direito, para designar a tendência natural da sociedade de reagir a leis e decisões judiciais entendidas como desconformes com a realidade. A existência dessa expressão na língua inglesa comprova que leis que não “pegam” não são um fenômeno exclusivo do Brasil. Na verdade, aqui, como em qualquer lugar do mundo civilizado, deslegitimamos no dia a dia o ato de autoridade que entendemos despropositado ou conduzido de maneira imprópria, senão abusiva. Trata-se de uma atitude política e, sim, democrática.
Não fica difícil entender por que após a vigência da Lei Seca, há pouco mais de dez anos, logo começaram a surgir aplicativos e grupos de compartilhamento de informação nas mídias sociais, que permitem aos condutores de veículos evitar as blitz em que agentes públicos abordam cidadãos armados com bafômetros e armas de fogo: os primeiros, é claro, para detectar o eventual consumo de álcool. E as segundas, geralmente exibidas ostensivamente, para desestimular qualquer tentativa de burlar às barreiras armadas em vias públicas.
O que ocorre nesse caso é uma típica situação de backlash. Mesmo com o risco de pagar uma multa de pouco menos de três mil Reais e de ter suspenso o direito de dirigir por 12 meses, motoristas continuam assumindo o volante após ingerir bebida alcoólica. Basta acessar o aplicativo ou consultar os amigos de rede social, para desviar da blitz.
O fato é que comportamento não se muda com coerção estatal, como ensina o jurista e sociólogo Lawrence Friedman, que há mais de meio século leciona em Stanford. O respeito às normas jurídicas existe se e quando elas conseguem exercer poder moral sobre a sociedade. Em outros termos, as pessoas respeitam as leis porque se convencem de que não segui-las é ruim para si mesmas e para a coletividade e de que têm responsabilidade moral pelas consequências dos atos que venham a praticar ao violar a regra legal.
A aplicação da Lei Seca produz resultados positivos. A proibição da venda de bebidas alcoólicas nas rodovias federais, sobretudo, tem salvado vidas, como demonstra estudo do Centro de Pesquisa e Economia do Seguro (CPES), dando conta de que a medida teria sido responsável por evitar 41 mil mortes no trânsito, entre 2008 e 2016.
A efetuação das blitze com aparato que parece destinado a capturar bandidos perigosos não é o caminho para fortalecer o respeito à lei. Pelo contrário. O cidadão que dirige após beber assume um grave risco, mas não é um celerado. Tratá-lo como se fosse só serve para comprometer o resultado desejado pelo legislador.
Não existem blitze para identificar e multar pessoas sem cinto de segurança, mas, ainda assim, o equipamento é usado pela quase totalidade dos motoristas e passageiros, porque se incorporou à cultura há 21 anos, quando se tornou obrigatório no país. Da mesma forma, seria mais útil economizar recursos com repressão e investir numa parceria, em que Estado e cidadão possam se colocar como concorrentes em favor do bem comum. O nome disso é civilização.
* Desembargador federal e presidente do TRF-2 Rio