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Quem tem medo do Brasil?

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As eleições de 2018 não foram precedidas por debate público dos candidatos no segundo turno. Não espanta, portanto, que hoje nos meios acadêmicos ,na imprensa, nas redes sociais e até mesmo nas reuniões familiares, toda especulação sobre os rumos econômicos do país é sempre precedida de um grande “se”. Se privatizarem a Petrobras? Se abrirem a economia para o exterior? Se ampliarem a reforma trabalhista? Se a reforma tributária for um blefe?

Revela-se desta incerteza a convicção de que o eleitor votou numa esperança difusa da eliminação da violência urbana e da corrupção, na crença de que o Brasil renovado entraria num rumo de paz e crescimento.Passados trinta dias da posse presidencial, a sociedade continua pouco informada sobre os projetos que a ela interessam profundamente.

O discurso do ministro da Economia foi minudente no diagnóstico do passado, mas homeopático na terapêutica. Da reforma da Previdência Social, mãe designada de todas as reformas, pouco ainda se sabe e muito se interpreta ao gosto do freguês. O ministro Guedes requentou o prato executivo que nos vem sendo servido nos últimos três anos, cujos ingredientes são sonolentamente espargidos pelo quarteto de acordeonistas do neoliberalismo : corte de gastos, privatização, desregulação e Estado mínimo.

Ora, dessa cantilena já conhecemos o amargor e a ineficácia. É necessário lembrar o impacto de cortes de gastos no aumento do desemprego e o rosário de calamidade sociais expressas na saúde, na mortalidade infantil e materna? Tudo a resultar numa queda brutal da indústria brasileira e num crescimento econômico (?) de míseros centavos percentuais do Produto Bruto.

Pior é o panorama internacional. Vejam a França, o Reino Unido, países com renda per capita maior do que a nossa , que mergulharam alegremente no neoliberalismo e vivem em estado de turbulência social a nos assustar pela violência e pelo efeito Orloff. Macron, Macri, Merkel e May (parece até uma linha de craques) adentraram o gramado com tantas firulas e parangolés, mas hoje descem o morro correndo.

No Brasil, a continuarmos na mesma estrada, nosso futuro não será melhor que o presente, já muito pior do que nosso passado. Apenas os beneficiados por essa política, chamada por ilustres economistas de “crescimento pela desigualdade” podem ostentar sorrisos de hienas. Não pense o leitor que não reconheço a importância do equilíbrio das contas nacionais na retomada do desenvolvimento econômico, palavra, aliás, que foi jogada no arquivo das velharias pelos sábios economistas brasileiros.

Lastimável, porque o Brasil talvez seja um dos poucos países do mundo que pode aspirar a um desenvolvimento robusto que nos colocaria até o fim deste século no patamar da China e dos Estados Unidos, ou seja, entre as três maiores economias do mundo. Mas não há de ser com uma política que desconsidera o bem-estar humano e privilegia o capital especulativo que chegaremos lá. A defesa da empresa privada como paradigma de honestidade e eficiência deveria levar mais em conta as realidades de Mariana e Brumadinho, da Enron nos Estados Unidos, da Exxon no golfo do México.

A epidemia de privatizações, já anunciada por setores do governo (privatizar tudo menos a Petrobras, a Caixa e o Banco do Brasil) apenas revela o sentido acrítico da política econômica. Chego a pensar que não há mais sequer responsabilidade com a coisa pública. Ainda bem que o Congresso reabre e, com ele, espero, surja um debate em que patriotismo não seja patriotada, desenvolvimento não seja uma velharia e a Constituição brasileira não seja considerada um repositório de ideais solidários, que parte deste país pretende perder de vista.

O assunto é amplo demais para o espaço desta coluna. Voltaremos a ele no próximo domingo. Por cortesia, aviso aos ilustres economistas neoliberais do patropi que a essência de minhas críticas se endereçará à visão derrotista por eles muito difundida. Não sou economista, mas também não sou fundamentalista deste ou daquele credo. Por precaução, já pendurei alho no meu portão. E não desisti do Brasil. Não vou para Miami nem morto.

* Embaixador aposentado