No final do filme “O Exterminador do Futuro” (1984), a personagem Sarah Connor segue por uma estrada numa região deserta quando avista um posto e desvia para abastecer. Apesar do sol, nuvens escuras cobrem o horizonte, anunciando tempestade num céu de ouro e chumbo. Ela estaciona e desce da camionete. Um velho se aproxima, pega a mangueira da bomba e a encaixa no cano que leva ao tanque de gasolina do carro. Pequeno silêncio. O velho mira o horizonte, volta-se para ela e avisa: - É melhor a senhora se apressar. Vem aí uma tormenta.
No filme, Sarah Connor vive uma verdadeira saga na companhia de um viajante do tempo que vem do futuro para lhe dar conhecimento de que o mundo fora destruído por uma guerra nuclear. Ele é um atormentado soldado do pós- apocalipse que quer mudar o rumo da história. - Vem aí uma tormenta, alerta o velho referindo-se à tempestade que se arma. Câmera em close no rosto duro de Sarah Connor. O vento agita seus cabelos louros. Pequeno silêncio. Ela olha para o velho por detrás do seu Rayban. Responde: - Eu sei.
No mundo real, as emissões de carbono fóssil já elevaram o aquecimento global para além de 1,5 grau Celsius. Para ficar abaixo de 2 graus Celsius, que seria o limite tolerável, as emissões de CO2 precisam baixar 20% até 2030 e chegar a zero em torno de 2075. Como é que vai ser? Além da queima de carvão e gás natural, o mundo já tem mais de 1,3 bilhão de veículos jogando CO2 na atmosfera. De 2017 para cá, a fome associada a eventos climáticos afetou 59 milhões de pessoas, só na África. Sem querer evocar demônios, pois como disse Shakespeare, o inferno está vazio e todos eles estão aqui, o homem, para fazer funcionar suas máquinas, caminha a passos largos para um colapso ambiental.
Na Amazônia Legal, a luz vermelha acendeu. Segundo oInstituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Mudanças Climáticas,a porcentagem de desmatamento entre 20% e 25% da floresta marcará um ponto de inflexão a partir do qual ela perderá definitivamente a sua capacidade de regeneração. Já estamos em 20%! Falta muito pouco para o ponto de ruptura que provavelmente nos levará ao caos climático. Ao que tudo indica, para atender ao agronegócio, vamos atingir esse limite com um ministro das Relações Exteriores que acredita (endossado por seu capitão) que a mudança climática não passa de um dogma científico influenciado pela cultura marxista.
Integrantes da Articulação Nacional de Agroecologia na Amazônia-ANA alertam que o agronegócio deveria estar preocupado com a preservação da floresta, não com a sua devastação, porque o ambiente é regulado por essa relação entre vegetação e manutenção do clima. “Se passarmos do patamar de 20%, teremos toda uma reversão climática de alteração de regime de chuvas, aumento de temperatura e será terrível até para o negócio deles”, prevê Fábio Pacheco, coordenador da ANA. “Depois de nós, o dilúvio”, respondem eles.
No filme “O Exterminador do Futuro”, o cataclismo é provocado e mantido pelas máquinas dotadas de inteligência artificial que se rebelam, eliminam os humanos e reinam belicamente sobre um mundo em trevas, totalmente em escombros. Um contexto absurdo, não muito diferente do nosso, onde a dor e a morte são a afirmação máxima do progresso.
No mundo fora das telas, o cenário da catástrofe vai sendo montado sem o glamour hollywoodiano e sem a truculência e a invencibilidade das máquinas da skynet do “Exterminador”, mas é sombrio, tanto quanto: calor batendo os 50º onde isso nunca ocorreu, fortíssimas tempestades fora de época, tufões, furações, tsunamis, derretimento de geleiras, um alarmante desequilíbrio alerta que a Pacha Mama está bem machucada e se agita espasmodicamente como um grande corpo. Os sinais indicam que estamos no caminho errado, mas mesmo assim prosseguimos.
Tudo isso me veio à mente numa tarde em que armava um temporal. Cheguei à janela do apartamento de terceiro andar, mirei a paisagem tão conhecida, o céu enegrecido em Minas Gerais, agora nada amigável, rugindo diferente. Olhei calado. Fiquei lá por alguns instantes refletindo sobre o meu dilema, mais simples, Minas ou Rio, enquanto as nuvens pesavam. Pensei nos meus descaminhos poéticos e nos sinais que vi da desolação. Há sinais da tormenta em todos os lugares. Quem tem bons sentidos não precisa de um meteorologista para saber pra que lado o vendo está soprando. Minha esposa interferiu da sala: - Feche logo essas janelas que vem chuva forte! Lembrei da personagem Sarah Connor. Do velho do posto. Fechei as janelas. Pequeno silêncio. Um relâmpago estalou. Respondi: - Eu sei.
* Jornalista, ex-secretário de Cultura e Turismo de Cataguases