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A segurança, agora, é de cada um, com arma

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Com o decreto das armas, implantou-se a visão de que as questões de segurança e da luta contra a violência e a criminalidade passaram a ser problemas de cada um com sua arma. Deixam de ser problemas de Segurança Pública. Mesmo porque o governo não dá nenhum sinal de qual é a política de Segurança Pública que adota ou adotará. Nem o Ministro da Justiça e da Segurança diz qualquer coisa a respeito do assunto.

As justificativas para o decreto deixam claro essa visão: o cidadão precisa ter uma arma para se defender diante do quadro grave da violência. Para cada um se defender. Deixa de ser tarefa da polícia, dos órgãos de segurança, da Justiça Criminal. Se não conseguir se defender, o problema é dele: não foi hábil, não foi forte, não soube usar a arma.

Essa visão é tão tacanha, tão primitiva, que chega a ser lamentável.

Os grandes pensadores, desde Hobbes, Locke e outros, já observaram que o grande salto na vida da humanidade se deu quando se adquiriu a consciência de que, individualmente, ninguém é capaz de se defender sozinho, pois nunca arranjará meios de se proteger contra alguém mais forte ou um grupo mais numeroso ou mais poderoso. Daí as comunidades entenderam que a solução era somar forças e criar uma entidade mais poderosa do que todos, o soberano, para organizar a defesa e proteção de todos, de maneira coletiva. Nas mãos do soberano seria depositado o poder e a capacidade de cada um individualmente para, somados, organizar-se o poder coletivo, o poder da sociedade, superior ao poder de cada um ou de grupos. Surgem as polícias, os exércitos, a Justiça Criminal.

Por ser um governo sem políticas definidas, copia e imita um dos piores aspectos da vida americana: o uso amplo das armas. O que se constitui em uma das maiores tragédias da vida daquele grande povo: mortes frequentes de grupos de pessoas, principalmente jovens nas escolas, por pessoas desregradas e destemperadas portando arma, até de alta potência.

Sabemos muito bem que a casa que tiver arma, a pretexto de se defender, será objeto de interesse dos grupos criminosos para tentar obter tal armamento para si, para suas atividades criminosas. Será um tormento para as famílias, além da ameaça permanente de as crianças e jovens terem acesso à arma, especialmente das pessoas que se embriagam. Um tormento e uma ameaça pior ainda para as mulheres, quando seus maridos dão sinais de atitudes violentas. E se bebem, então, mesmo só de vez em quando...

O governo, apesar de ter uma base militar muito forte, até na sua gestação já procura tirar o soberano, o Estado de interferência na economia. Pretende deixar tudo livre para os atores econômicos, isto é, os grupos poderosos, especialmente os grupos financeiros (toda a cúpula do governo para a área econômica e financeira tem ligações com o sistema financeiro), deixar sem regras, sem regulamentações as atividades econômicas: fora o Estado, fora o soberano.

Agora, mantém a sua coerência ao retirar do soberano, do Estado a responsabilidade maior sobre as questões da segurança dos próprios cidadãos. Certamente dirão que será uma responsabilidade compartilhada. Que tragédia jogar nas pessoas a responsabilidade por sua segurança, especialmente em um momento tão agudo de violência e criminalidade.

Nenhuma palavra de como salvar as crianças e os jovens que, geração após geração, são levados para o caminho da violência e da criminalidade. Nem em escola se fala.

E uma questão moral grave surge nesse processo: integrantes do governo e parlamentares que trabalharam o decreto das armas e vão continuar outras batalhas para mais armas foram financiados em suas campanhas pela indústria de armas (Taurus) e fábrica de balas (CBC). É o poder da indústria armamentista que o presidente Eisenhower denunciou em um dos seus últimos pronunciamentos à nação americana.

Pior é que tantos alimentaram a esperança de se criar um ambiente moral melhor na vida da República.

* Ex-deputado federal, Constituinte; foi secretário de Justiça do Governo Brizola

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arma | artigo | posse