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Os novos muros da vergonha

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Durante anos, Berlim foi rasgada pelo muro da vergonha. Nesta semana, o presidente dos Estados Unidos lançou milhares de seus compatriotas no desemprego transitório, reféns de um muro ao longo da fronteira com o México. A ideia de Trump obedece a particularíssima visão do mundo. É uma ideologia.

Aqui no Brasil circulam várias ideias. As mais preocupantes, em áreas vitais: educação, relações internacionais e economia. Na educação promove-se uma ideologia que, convenhamos, nos expõe ao ridículo. No Itamaraty, refunda-se a política externa brasileira. Informa-nos o chanceler que o Itamaraty está alheio ao povo, que nossos países-guias devem ser os Estados Unidos (de Trump, farol do ocidente); Hungria; Polônia e Israel. Nossos diplomatas estão ameaçados de compartilharem suas funções profissionais com cidadãos – politicamente designados – que não se submeteram a concurso para o Instituto Rio-Branco. Que não fizeram o curso de aperfeiçoamento de diplomatas, que não enfrentaram, após 10 a 15 anos de carreira, o temível Curso de Altos Estudos, divisor de águas entre os que ascenderão, ou não, ao cargo de embaixadores.

Nosso chanceler relê a linguagem da absurda medida provisória e a decodifica matreiramente com a sintaxe dos Tapuias e dos equinos de Troia. Ao sofismar que a política externa esteve alheia aos altos interesses do povo e da nação, desacata a história diplomática do Brasil. No Itamaraty não se levanta um muro, derruba-se um patrimônio do serviço público brasileiro. Em nome de quê? De um fundamentalismo primário, advogado por picaretas.

Para sua exclusiva informação, senhor ministro, em negociações internacionais econômicas, a defesa da agricultura e da indústria brasileiras foi o feijão com arroz de gerações de diplomatas, pelo menos desde os anos JK. A criação de órgãos de promoção comercial tanto na Secretaria de Estado quanto nas embaixadas do Brasil, anunciadas por vossa excelência com as trombetas de Cecil B. DeMille, muito deve a outro embaixador, ainda vivo, que lhe mereceria um gesto elegante de reconhecimento. De certo, vossa excelência disse que negociávamos de uma posição de fraqueza. Mas não de tibieza nem de temor, senhor ministro, porque nunca perdíamos de vista o desenvolvimento de nosso país e não caíamos na conversa mole de que o “ bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”. E não nos guiávamos por ideologia marxista ou maoísta, mas pela defesa de nossos interesses nacionais.

Deixo de falar de bases americanas no território brasileiro, porque vozes mais altas interpretaram corretamente o sentimento de patriotismo e de soberania que nos une a todos. E passo ao terceiro e último ponto deste breviário ideológico. Mais fácil de descrever, pois na economia temos ministro assumida e francamente neoliberal, disposto a dar “facadas” no sistema S e em tudo que lhe pareça contrário ao areópago de Chicago. O que anuvia minha admiração por sua excelência é que nele a ideologia cega. Não apenas os comunistas se creem donos da verdade. Os neoliberais, como vemos mundo afora, fizeram do capital o Belzebu diante do qual insistem em curvar a espinha dorsal dos que deles, fundamentalistas neoliberais, discordam. Está a construir-se no Brasil uma variante do muro de Trump. Enquanto lá se pretende impedir a entrada de imigrantes, aqui se ergue uma muralha entre ricos e assalariados. Apesar das rebeliões sangrentas em países com renda per capita maiores que as nossas, insiste-se em seguir o mesmo modelo. Nosso ministro nos deveria explicar porque aqui dará certo. Por que não pronuncia palavras como “desigualdade” ou “desenvolvimento”? Por que nos esconde que a carga da taxação brasileira sobre rendimentos do capital é uma das mais baixas do mundo? De que argamassa se pretende construir nosso muro da infâmia? Não há alternativa?

* Embaixador aposentado