ASSINE
search button

O STF e a superpopulação carcerária

Compartilhar

Segundo as mais autorizadas pesquisas da sociologia criminal, o profundo desmonte das últimas décadas das políticas e instituições públicas de promoção do bem-estar social tem como correspondente direto o incremento de políticas de controle social sobre a parcela da população que outrora era beneficiada por elas. Trata-se do abandono de um modelo de um Estado previdenciário subsidiado pelo incremento de um Estado penal. Uma das consequências desse processo é o aumento exponencial da população carcerária no o mundo.

Em uma sociedade onde os direitos estão visceralmente associados à capacidade de consumo, os indivíduos eliminados do mercado formal de emprego são direcionados para políticas de controle. Em países periféricos, onde a democracia, cidadania e instituições de promoção do bem-estar social são mais frágeis se comparadas as dos países centrais, o fortalecimento de um Estado policial tem sensivelmente menor oposição.

De acordo com o World Prison Brief, em 2016 a população carcerária do mundo era de cerca de 11 milhões de pessoas. No Brasil, segundo o Ministério da Justiça publicou em 2017, aglomeramos a terceira maior população carcerária do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos e da China: em 2016, para cada 100 mil habitantes havia cerca de 350 presos no Brasil.

Entre 1990 e 2016, saímos do total de 90 mil presos para mais de 700 mil: 89% da população prisional estão em unidades superlotadas, 78% dos estabelecimentos penais têm mais presos que vagas e 40% dos presos ainda não têm condenação definitiva. O perfil dos detentos masculinos é majoritariamente jovem, negro, pobre e de associados a crimes contra o patrimônio e tráfico de drogas. As mulheres representam ainda um percentual pequeno do total, cerca de 5%, e estão vinculadas principalmente ao tráfico de drogas.

Especificamente no Estado do Rio, local de origem de muitos dos ministros que hoje compõem o STF, o mesmo relatório registrou a quarta maior população carcerária do Brasil: 50.219 detentos em unidades que deveriam comportar apenas 28.443, uma taxa de ocupação de 176,6%. Nesse contexto, as tensões permanentes no interior do sistema penitenciário fluminense ganham outro viés.

É bem verdade que, segundo relatório do Conselho Nacional de Justiça, no fim de 2018, houve uma queda no número de presos nos últimos dois anos, mas ainda muito aquém das cifras extraordinárias que atingimos. Em nosso entendimento, esta queda tem como motivo determinante as decisões judiciais recentes do STF que, após reconhecer a situação periclitante, insalubre e inconstitucional do sistema penal brasileiro, determinou uma série de ações ao Executivo e ao Judiciário para minimizá-la.

No entanto, tais manifestações judiciais ainda são insuficientes, vide o número ainda alarmante de pessoas em situação de cárcere: 602.217. Por outro lado, a inconstância da jurisprudência de nossa corte constitucional sobre o tema, cuja principal expressão é a validação da prisão após a condenação em segunda instância, ainda que haja recurso pendente de julgamento, só agrava nossa tragédia penitenciária. O tema voltou à tona com a natimorta decisão liminar do ministro Marco Aurélio antes do recesso da corte.

No entanto, o ministro Dias Toffoli, atual presidente do STF, agendou o julgamento das ações que contestam a constitucionalidade das prisões após segunda instância para o dia 10 de abril de 2019, oportunidade em que o STF poderá pavimentar ainda mais seu compromisso republicano com a diminuição da superpopulação carcerária no país. Confio que nossa corte constitucional declarará a inconstitucionalidade da prisão antes do trânsito em julgado da condenação, se colando não apenas na defesa dos direitos do cidadão, mas também firmando ainda mais seu compromisso contra a barbárie penitenciária que nos assola.

* Advogado, conselheiro da OAB/RJ

Tags:

artigo | jb