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No limiar de um novo ano

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A boa notícia é que vou poupá-los das deturpações do espírito natalino ou de novas esperanças que, caso existam, não serão politicamente neutras. Como arquiteto, vos asseguro que nem as perspectivas são mais assim, pois dependem da escolha de um observador e de um ponto de fuga. Nada é aleatório.

Mas passemos à má, que não constitui polêmica, pois que outro incêndio nos ocorreu. E não em edifício ou museu. Em favela, houve um grande em Manaus e na semana anterior um outro no Paraná, mas tampouco é essa trágica e repetitiva realidade que vos quero reacender.

Em verdade, visto assim do alto, e na segurança de um aparelho de TV, pareciam apenas fogareiros expelindo as chamas, que lhes são próprias, e não fosse pelo excesso de fumaça, nada de admirável haveria a comentar sobre o ocorrido na inacreditável Refinaria de Manguinhos.

A primeira reação, após perguntar aos comensais que das imagens comigo partilhavam, se sabiam de onde eram as cenas, foi inquirir, em pensamento, já que não falo sozinho em restaurante, nem mesmo nos de comida a quilo: “uai, mas essa refinaria não estava fechada?”.

Não estava. E um monte de caminhões tanque ardia ameaçadoramente. E quando falo “tanque” já vos antecipo uma ameaça, pois de tanque o que mais se pode esperar? Desde um, abarrotado de roupa suja para se lavar em casa, a uma divisão de blindados nazifascistas a enfrentar apenas com pedradas. Lutas desiguais.

Outros tanques, mais robustos, caso as chamas não fossem contidas, poderiam transformar o Rio em algo pior do que já nos é dado a ver.

Tenho falado tanto de desindustrialização e, hoje, a lastimar o oposto. Como é que algo assim continua funcionando? Não estamos falando de um posto de gasolina, logo ali na esquina, mas de uma refinaria em meio a uma das maiores concentrações humanas do mundo.

Não tenho notícia de que outra região metropolitana possua, não só uma, mas duas refinarias de petróleo, funcionando dentro de seus limites.

E se falo em Região Metropolitana não é porque a outra fique em Duque de Caxias, ou que uma terceira vai mas não vai, será? em Itaboraí, que também é município metropolitano, mas digo isso porque a legislação que rege a localização industrial, assim, o é:

Depois de criar o AI 5, senadores biônicos, prefeitos indicados para instâncias hidrominerais e outras gracinhas institucionais, os governos militares nos lograram as regiões metropolitanas, para, em seguida, começarem a sacar leis, de abrangência nacional, para regular o uso do solo, o que sempre foi uma prerrogativa municipal, mas como não ligavam para melindres, logo mandaram uma 6766, lei que criminalizou as irregularidades urbanísticas Brasil afora, determinando índices do Oiapoque ao Chuí, para quem fosse abrir ruas e pracinhas. Ufa.

Voltarei a tratar dela, especialmente se conseguirem passar a Cedae nos cobres. Mas hoje estou a falar de indústrias. E sobre as que estariam por abrir. Acabara de acontecer o Milagre Brasileiro e o governo disparava outra medida e cria, ou melhor, obriga a que se criem, os zoneamentos industriais metropolitanos.

Como se sabe Moreira Franco ocupou-se em acabar com o órgão metropolitano do Rio, pois governadores fluminenses não gostam de que 80% do peso do estado estejam em mãos outras, mas ainda que se aprofundando a desindustrialização fluminense, que, obviamente, dispensa de licença para ser implementado, há muito o que se fazer para evitar catástrofes como a que Manguinhos oferece, ou, por outro lado, usar de criatividade para a organização territorial metropolitana.

E a última notícia, boa ou má (de onde vem, nunca se sabe): na semana passada a Assembleia estadual votou a criação de um novo órgão metropolitano. Ou seja, se o mundo não acabar em fogo, já temos assunto para o ano que vem.

E que, ao contrário do que se encerra, saibamos faze-lo feliz. É tudo o que vos posso desejar.

* Arquiteto – Urbanista, DSc