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Construir transportes é urgente

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Em 1926, sob o lema “governar é construir estradas’’, Washington Luís assumiu o governo construindo duas importantes rodovias, a Rio-Petrópolis, que leva o seu nome, e a Rio-São Paulo, que leva o nome de outro ex-presidente, Gaspar Dutra.

Desde então, a matriz de transportes brasileira vem apresentando um desequilíbrio histórico a favor do modo rodoviário. Enquanto nos Estados Unidos 28% do transporte de carga são realizados por rodovia e 38% por ferrovia, no Brasil as rodovias são responsáveis por 61% das cargas transportadas e as ferrovias por apenas 21%.

A nossa rede ferroviária tem apenas 29 mil quilômetros de extensão (sendo 11 mil quilômetros abandonados ou subutilizados), contra 225 mil dos EUA e 78 mil do Canadá, países do mesmo porte territorial do Brasil. A Argentina, três vezes menor que o Brasil, tem 37 mil quilômetros de ferrovias. Em termos de densidade de transporte, extensão das ferrovias por mil quilômetros quadrados de área territorial (km / 1.000 km2), o Brasil aparece muito mal na escala mundial, com apenas 3,4, contra 72,1 do Japão; 22,9 dos EUA; 17,0 da Rússia; 13,3 da Argentina; 8,9 da China; e 7,8 do Canadá. A velocidade média de nossos trens não passa de 25km/h, contra os 80km/h dos trens americanos. Para piorar a situação, 77% das cargas transportadas nas ferrovias brasileiras são de minérios, ficando o agronegócio com apenas 17% e os produtos siderúrgicos, derivados de petróleo e álcool e cimento com os 6% restantes.

Não há como negar que vivemos num país que prioriza o modo rodoviário, mas praticamente não tem rodovias. Isso pode ser comprovado pela extensão da malha rodoviária do país, de 1,736 milhão de quilômetros, com apenas 214 mil quilômetros de estradas pavimentadas, que corresponde a pouco mais de 12% do total. Os Estados Unidos têm uma malha com 5,169 milhões de quilômetros de rodovias pavimentadas, 24 vezes maior do que a brasileira; e a França, com 6,5% da superfície do Brasil, tem 738 mil quilômetros de rodovias pavimentadas. O quadro é pior quando a Confederação Nacional do Transporte constata que 62% da extensão das rodovias brasileiras apresentam o estado geral considerado regular, ruim ou péssimo, com pavimentos em notória decomposição, sinalizações inexistentes, traçados perigosos, policiamento inadequado, onde acontecem emboscadas, assaltos e acidentes. Em 2017, nas rodovias federais, morreram cerca de 6,3 mil pessoas.

Apesar desses números desanimadores, o transporte rodoviário é, inapropriadamente, considerado o alicerce do progresso do país. Diante desse quadro, o escoamento das exportações e produções industriais e agrícolas brasileiras estará cada vez mais comprometido nos próximos anos e a retomada do crescimento econômico certamente sofrerá um atraso considerável. Como exemplo, a safra de grãos 2017/18, na casa dos 220 milhões de toneladas, segundo projeções, chegará a 300 milhões de toneladas em 2027/28, e terá de ser transportada pelas mesmas rodovias e ferrovias hoje utilizadas, caso não haja novos investimentos em infraestrutura de transporte. Será fácil imaginar os quilométricos estacionamentos de caminhões nas margens das rodovias, a falta de capacidade das ferrovias e a consequente perda de competitividade de nossos produtos no mercado externo, sem contar os custos sociais, econômicos e ambientais para a sociedade.

É óbvia a necessidade de uma mudança radical em nossa matriz de transportes. A melhor solução seria a utilização mais racional dos demais modos, ferroviário, aquaviário, dutoviário e aeroviário, e dos sistemas intermodais: terminais rodoferroviários e portuários, centros de distribuição, armazéns gerais e os aeroportos, com investimentos imediatos para proporcionar aos produtores, às indústrias e à sociedade uma logística de Primeiro Mundo.

Governar não é só construir estradas, mas construir um sistema logístico multimodal competente e equilibrado, com revitalização e expansão de ferrovias, hidrovias e portos, construção de dutovias, recuperação da malha rodoviária pavimentada e pavimentação e modernização de 1,520 milhão de quilômetros de rodovias não pavimentadas.

* Doutor em Engenharia de Produção pela Coppe/UFRJ, mestre em Transportes pelo IME e professor da FGV