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O feminismo no cinema

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Depois da hashtag #MeToo, que marcou o cinema e o mundo em 2017, o papel da mulher nas telonas nunca mais foi o mesmo. Desde então, o protagonismo feminino dominou a cena cinematográfica e as mulheres passaram a inflar seus discursos com uma força talvez nunca vista antes em Hollywood e nas produções mundiais. Logo em março de 2018, na cerimônia de entrega do Oscar, a premiada como melhor atriz deu a largada do que seria o ano seguinte ao #MeToo para o cinema: em um discurso feminista, direto e destemido, Frances McDormand pediu para que todas as mulheres presentes na plateia se levantassem, no que foi prontamente atendida pelas colegas, incentivadas pela primeira a ficar de pé: ninguém menos que Meryl Streep. Em seguida, nas palavras que construíram o momento mais emocionante da noite, McDormand conclamou os diretores, produtores e atores a olharem para as mulheres que ali estavam e tivessem a certeza de que, entre elas, não faltavam histórias para contar e projetos para serem financiados. Em suma, o que Frances McDormand disse foi simplesmente: olhem para nós, nos chamem para trabalhar, contem conosco! Foi aplaudida à exaustão e levou muitas colegas hollywoodianas às lágrimas. Ok, mas por que a Cerimônia do Oscar, que aconteceu em março, é assunto deste artigo, já praticamente no fim de dezembro? Para mostrar que as lutas valem a pena. Por mais longas que sejam. Por mais dolorosas que se apresentem.

Explico. Essa semana recebi a notícia de que filmes com mulheres protagonistas têm atraído mais público e, consequentemente, mais dinheiro. O dado é de uma pesquisa feita pela Creative Artists Agency, uma agência americana que tem dezenas de astros e estrelas do cinema entre seus clientes e faz diversos tipos de estudos anuais sobre o meio cinematográfico. O mais interessante é que a informação me foi enviada por um homem, um colega jornalista do meio esportivo, o produtor Diego Ferron, acostumado a acompanhar as agruras das jornalistas que cobrem esportes. Como sempre digo, nós, mulheres, não estamos sozinhas nessa luta. Temos, sim, a parceria de homens que seguem à frente dos machistas boçais ou dos machistas funcionais – aqueles que dizem que não são machistas, que não agridem fisicamente, não são abertamente violentos, mas não hesitam em pagar salários menores às mulheres, em xingar de “vaca” a moça que não lhes deu bola na balada ou no bar, ou dizer que há mulheres para casar e “as outras”. Como sempre digo neste espaço, existem, sim, homens com quem as mulheres podem contar. E recebi de um deles a notícia da pesquisa.

O estudo da Creative Artists Agency analisou a bilheteria de 350 filmes entre 2014 e 2017. Do total, 105 longas tiveram mulheres como protagonistas. Um dos critérios foi observar se as atrizes tinham seus nomes em destaque na divulgação das produções. Em seguida, foram comparados os orçamentos e os filmes aprovados no “Teste Bechdel” obtiveram maior faturamento. O “Teste Bechdel” é uma espécie de medição bem-humorada da representatividade feminina em Hollywood. Foi criado pela cartunista Allison Bechdel, em 1985, como uma brincadeira, mas passou a ser adotado pelas feministas no cinema. Para ser aprovado, o filme precisa atender aos seguintes critérios: deve conter pelo menos duas personagens mulheres; elas têm de interagir, no mínimo, uma vez; não devem falar sobre homens. Parece algo simples, mas muitas produções hollywoodianas ainda hoje não passam no teste. A melhor notícia – que mostra a derrota gradual do machismo no cinema – é que de 2014 a 2017 todos os 11 filmes que bateram a marca de um bilhão de dólares de bilheteria foram aprovados no teste. Isso foi antes do #MeToo. Antes do discurso de Frances McDormand. A ver o que virá nas telonas – a cada ano mais feministas – em 2019.

* Jornalista e mestranda em Psicologia Social pela USP