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Como ganhar, se você nem percebe o jogo?

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Joseph Goebels (1897-1945), militar e ministro da propaganda nazista de Hittler (1889-1945), dizia duas coisas que foram muito praticadas desde o golpe de 2016 e nestas eleições: que uma mentira repetida muitas vezes se torna uma verdade (quase) incontestável e que o fanatismo é a única forma de vitória para os medíocres e os limitados. Profético e patético.

Algumas acham que tudo o que não é seu espelho tem que ser eliminado e que toda voz que não reproduz sua fala tem que ser calada. Quem assim procede não percebe as nuances da vida e sua diversidade e veste a capa da mediocridade do pensamento raso e do sentimento desumano, limitando-se a reproduzir falas e ações desconexas que não entende (embora alguns entendam muito bem!). Pior, quem assim age, muitos de caso inicialmente e até certo ponto refletido, parece que deseja mesmo quem pense e aja por ele, desde que possa continuar a ir para a Disney ou que tenha um empreguinho fuleiro ou que o engane com um discurso pseudorreligioso (nada a ver com Deus, que deve ficar muito triste com seu nome evocado em vão) ou... enfim, deixa pra lá. Stanislaw Ponte Preta teria um farto material para escrever novos volumes do “Febeapá”. Neste momento, ele bem poderia estar debruçado sobre várias bizarrices que têm sido ditas por aí. Um dia, a História registrará mais esse triste e antidemocrático período brasileiro. Será que o povo, neste dia, finalmente levantará de seu “berço esplêndido”?

Enquanto a população era enganada (quer dizer, uma parte, outra simplesmente assumiu seu lado mais obscuro) com os absurdos sobre uma suposta influência malévola de professores que levariam seus filhos a serem homossexuais (ninguém faz isso, gente! Isso não existe!) mamadeiras com biquinhos de pênis e outras “pérolas” do besteirol mentiroso amplamente disseminado como guerra pseudocultural, as verdadeiras propostas, que à maioria prejudica e que só poderia ser aplicada na base da força, foram, como estão, sendo discutidas sem o adstringente da transparência pública. Repetiram tanto essas e outras mentiras que elas suplantaram o verdadeiro debate nacional.

Falam, por exemplo, em rombo da Previdência. Analisemos. Primeiro, quem assim define o estado previdenciário brasileiro ignora, deliberadamente, que este envolve, além das aposentadorias, assistência social e saúde, além de o sistema como um todo possuir várias fontes de financiamento e não apenas as contribuições dos trabalhadores. Se tomadas apenas essas, sim, há rombo fiscal. O dinheiro orçamentário do sistema previdenciário é remanejado para outras áreas e, claro, gera-se um déficit. Segundo, há enormes dívidas de pessoas físicas e jurídicas que vêm sendo perdoadas ou nem cobradas; só essas já cobririam o rombo suposto. Terceiro, isenções fiscais, que retiram dinheiro do sistema previdenciário, vêm sendo generosamente concedidas. Quarto e último, 60% do que chamam de rombo previdenciário vêm das seguintes categorias de servidores públicos: militares, servidores do Judiciário (notadamente os juízes), membros dos Ministérios Públicos, servidores dos legislativos e mais umas poucas categorias específicas. Essas categorias, aqui sim, privilegiadas, estão de fora de todas as propostas de reforma do sistema de aposentadorias. As reformas, caso você não saiba, leitor(a), vêm sendo propostas no lombo da maior parte dos servidores públicos (profissionais da educação, da saúde e da assistência social, servidores da cultura, da área ambiental, de pesquisa e administrativos), que não entanto, compõem não mais do que os outros 40% do suposto rombo. Além desses últimos, são os trabalhadores do setor privado, a maioria, que irão sofrer, para que os poucos privilegiados reais do serviço público e o capital continuem com seus ganhos. Noves fora o rombo orçamentário, o sistema previdenciário brasileiro é, no fundo, superavitário.

O jogo, prezado(a) leitor(a), é pesado e sujo. O discurso a favor da família e da propriedade (nada contra), além de mentiroso e preconceituoso (porque não respeita o direito de quem não quer seguir o padrão que é tido como “correto”) é diversionismo para o enrolar e não deixar que você perceba o que está realmente em jogo: a soberania nacional (eles não são patriotas, estão nos entregando para o estrangeiro), a segurança (e não apenas do capital e dos capitalistas; as matanças nas áreas pobres só aumentam), o crescimento econômico, com geração de renda e distribuição equilibrada da riqueza produzida (e não sua concentração nas mãos dos poucos de sempre), a democratização dos instrumentos de poder social, como a chance de disputa pelos melhores postos de emprego e mando (e não a sua escamoteada reserva de mercado paras as mesmas famílias de sempre; o discurso da meritocracia individual, sem uma base comum social, é hipócrita) e por aí vai.

Isso tudo e muito mais está em jogo. Enquanto nós, povo brasileiro, não acordarmos e percebermos que estamos sendo enganados e explorados, enquanto continuarmos a bater panelinha para quem só deseja nos oprimir, enquanto acreditarmos nas mentiras de nossos políticos extremados e de nosso Judiciário... enfim, enquanto não percebermos, nós, as boas, solidárias e generosas pessoas, de direita, de centro e de esquerda, que a história que estão nos contando não é essa que aí está, continuaremos e nos comportar como cachorro louco, que fica correndo atrás do próprio rabo.

* Geógrafo e pós-doutor em Geografia Humana