A continuidade democrática foi rompida no Brasil com o golpe de 2016, que tirou do poder, de forma espúria, sem nenhum argumento jurídico, uma presidenta recém-reeleita pelo voto popular, sob os olhares complacentes e cúmplices do Judiciário. Ali começava a se impor um regime de exceção no Brasil, com o argumento de que se passava a combater o mal maior do país, a corrupção, protagonizada por personagens tão poderosos, que seria necessário usar métodos de exceção para colocar em prática esse combate. É o que a Lava Jato faz, cometendo todo tipo de arbitrariedades, já naturalizadas como perseguição política contra a esquerda, pela judicialização da política, pelo “lawfare”, pelas ações arbitrárias da PF e do MP, pelas condenação e prisões sem provas e fundamentos jurídicos.
Esses mecanismos caracterizam a nova forma de golpe – a guerra híbrida – centrada em um Congresso eleito pelo poder do dinheiro, no monopólio privado dos meios de comunicação – erigido em juiz destruidor do prestígio de líderes populares – e em um Judiciário ativo na perseguição politica e passivo na proteção do Estado de Direito e da democracia. Como seu elemento de força, essa nova forma de golpe tem a manutenção aparente da institucionalidade (de que a frase cínica: “As instituições estão funcionando normalmente” é a expressão de marketing) e a cobertura cúmplice do Judiciário. Mas tem a debilidade de que, para manter aparência de legalidade institucional, tem que se enfrentar eleições.
As eleições se tornaram um suplício para os regimes políticos em que o modelo neoliberal se generalizou, da direita tradicional à extrema-direita, chegando à velha esquerda do século 20. Esse consenso condena os governos à impopularidade, à perda rápida de apoio popular, ao pânico cada vez que se aproximam as eleições. Porque, bem ou mal, esses são momentos em que já não tem vigência os consensos restritos entre as elites, entre os formadores de opinião mediante os meios de comunicação monopólicos. É o momento em que a população passa a dar sua palavra, a decidir sobre que governo continuará a dirigir o país ou será substituído por outro.
As eleições deste ano no Brasil são paradigmáticas das formas de ação de que se lança mão para impedir que o consenso antineoliberal se imponha ou volte a se impor. Quando o programa de prioridade das politicas sociais – de que o livro e a carteira de trabalho que Haddad propunha ter como bandeiras fundamentais, no lugar da arma e das ameaças – colocou em risco concreto a vitória da direita, se apelou para a multiplicação gigantesca e escandalosa das fake news, difundidas por milhões de robôs, para deslocar as temáticas sociais do centro da campanha, para as da corrupção, da segurança e da pauta moralizadora. A combinação desses dois fatores – a agenda da direita e suas formas de implementação – levaram à derrota da esquerda e à vitoria de um candidato da ultradireita.
Essa vitória não surge simplesmente como a mudança de um governo antineoliberal para um governo neoliberal, como foi a passagem do governo Dilma para o governo Temer, mas a formalização de um novo regime, que vinha se esboçando desde o golpe de 2016. Mas uma transformação que seja mais do que a simples instauração de um regime de exceção. Necessitam blindar de tal forma o Estado, para que a esquerda não possa voltar a governar o Brasil. Tiram lições de como a vitória da esquerda, como aquela de 2002, introduz a governos que rapidamente ganham apoio popular, tendendo a vencer sucessivamente as eleições, como aconteceu por quatro vezes seguidas no Brasil.
É preciso, para a direita, evitar que isso se repita. Em primeiro lugar, prendendo, condenando e tirando Lula da vida política, pois está, de forma mais direta, presente na memória e na consciência do povo, governos que priorizam as políticas sociais e os direitos de toda a população, antes de tudo do emprego, do salário, da educação, da saúde. (continua na próxima semana)
* Sociólogo