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O sol, de novo, nasce na França

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Macron, 18 meses depois de eleito como a esperança de uma França dividida, reconhece que seu “movimento para uma França em marcha” deu marcha à ré. Macron luta para salvar o seu quinquênio. Mas uma alvorada nasce no horizonte francês, com repercussões na Europa e no mundo.

Ao todo, 150 economistas, liderados por Thomas Piketty, lançam um “Manifesto para a democratização da União Europeia” (texto em: tdem.eu), a primeira alternativa real para a frase de Margareth Thatcher: “There is no alternative” (não há alternativa), mantra do movimento neoliberal que levou o mundo às disparidades sociais e econômicas de hoje. O manifesto é uma contundente condenação das políticas econômicas e sociais das últimas décadas. Ao criticar os movimentos de direita na Europa – e não só nela – que levaram ao surgimento de regimes autoritários e nacionalistas regressivos, o manifesto promove reviravolta no pensamento ideológico do neoliberalismo e drástica redução do abismo entre os super-ricos e os miseráveis, tanto na Europa quanto fora dela. O manifesto será submetido ao escrutínio popular e, se aprovado, incorporado aos acordos constitutivos da União Europeia, em consonância com os propósitos neles inscritos.

O cerne da proposta inverte a lógica do neoliberalismo – privatizações, Estado mínimo e corte de gastos públicos – e recomenda a tributação das grandes multinacionais e de seus lucros, das grandes fortunas e das grandes heranças. Segundo os cálculos dos economistas, essa justiça tributária poderia quadruplicar o orçamento da governança da União Europeia, que atingiria cerca de 800 bilhões de euros. Parte substancial desse acréscimo seria destinado a investimentos públicos em saude, educação, pesquisa e desenvolvimento.

Obviamente, como o projeto acaba de ser lançado, é difícil avaliar sua receptividade. De qualquer forma, o movimento está sendo pouco divulgado na imprensa, que prefere exaltar as medidas paliativas de Macron junto aos “coletes amarelos”. Esses, por sua vez, consideraram as propostas do presidente francês um descarado subterfúgio neoliberal e prometem novo protesto. Na semana passada, a polícia prendeu milhares de manifestantes. Nesse passo, em breve, o exército poderá ser chamado a “garantir a ordem” e estará armado o famoso “chienlit”, que levou De Gaulle para o seu retiro final em Colombey- les deux- Eglises. E Macron, com seus ademanes saltitantes em torno de Trump, está muito, deveras muito longe da admiração e devoção de seus compatriotas. Andam pichando Paris com um grafite patibular “Macron = Louis 16”. Nada como manifestantes que conhecem a história de seu país.

Não creio que a proposta de Piketty seja rechaçada. A Itália, a Grécia, a Espanha e Portugal poderão ser os primeiros a aderir. O Reino Unido poderá ver nela uma solução para o dilaceramento político em que se transformou o Brexit. Se a Alemanha aderir, Inês é morta. Ou ressuscitada, depende do ângulo.

Fico curioso com a reação dos econolobistas aqui na Terra de Santa Cruz. Vão continuar assobiando e chupando cana? Será que Piketty é um ponto fora da curva? Ou não fez o dever de casa? Ou os 150 economistas devem ir para Chicago? São dúvidas torturantes, não concorda leitor? Logo agora que a comissão de frente do corte de gastos, da demissão de servidores públicos entraria ao vivo e a cores... O Ministério da Fazenda adverte: sem aumento de tributação não adianta cortar gastos. Sabe quanto renderia só a volta do imposto sobre o lucro de dividendos? 25 bilhões por ano. E se cobrássemos uma alíquota maior sobre as remessas de bancos estrangeiros? Há filiais no Brasil que viabilizam suas matrizes. Isto é: nós sustentamos banqueiros internacionais. Será que “não há alternativa”, senão aprofundar a pobreza de 54 milhões de brasileiros? Vender a Petrobras? O Banco do Brasil? Fazer uma “ black friday” das estatais? Será que nossa vampiresca economia só se libidinisa com o sangue de seu povo? Atenção, dr. Guedes, favor comparecer ao balcão de atendimento ao contribuinte.

* Embaixador aposentado

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artigo | França | macron