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O paradoxo da Arquitetura e do Urbanismo

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Conto com a benevolência dos caros leitores, em especial dos arquitetos e urbanistas, para refletirem comigo hoje, Dia Nacional do Arquiteto e Urbanista, sobre o paradoxo da nossa profissão. De início, uma provocação: o que é uma reta? A maioria responderá que é a menor distância entre dois pontos. Apesar de correta, a definição não se limita a essa simples constatação.

Os mais críticos, os inconformados e os que estão com os pés fincados na realidade nacional dirão que a reta expõe a nossa frágil capacidade de análise crítica, pois nos leva a raciocínios extremamente simplificados e a verdades pseudoabsolutas. Poderão dizer, ainda, que é uma demonstração de como somos forjados para sermos manipulados ideologicamente, porque, sem pestanejar, pensamos na reta como a menor distância entre dois pontos. É verdade? Claro que sim, mas não toda verdade!

A reta também secciona um plano em duas partes. Dialeticamente, a reta une e segrega ao mesmo tempo. Une dois pontos tanto quanto segrega um plano em dois. Aí está o dilema central, que reflete o paradoxo da Arquitetura e do Urbanismo. Como usar a reta, metaforicamente falando, sem torná-la elemento de segregação social e arma contra nós mesmos e a sociedade? Enquanto arquitetos e urbanistas, não devermos permitir que o conhecimento técnico-profissional seja usado para camuflar escolhas políticas e ideológicas excludentes e que interferem na direção de nossas retas. O conhecimento técnico nos capacita para fazermos a reta, já o adquirido pelas ciências humanas nos prepara para sabermos por que, para quem, quando, como e onde devemos usar a reta, de forma que a mesma possa ser utilizada em benefício de todos.

Arquitetura e Urbanismo só têm serventia se converter seu conhecimento e sua atuação em força transformadora da realidade. O produto da nossa atividade profissional não deve ser privilégio de poucos, assim como não pode se limitar aos poucos e pontuais megaprojetos. A produção da nossa profissão interfere no cotidiano de Zés e Marias de todo o país. Esse é o caminho mais seguro para fortalecer institucionalmente a função social da Arquitetura e do Urbanismo e a nova imagem que desejamos à nossa profissão, o de agente promotor do bem-estar social universal. Nesse contexto, a implementação da Lei Federal nº 11.888, mais conhecida como Lei da Assistência Técnica, que assegura às famílias, com renda mensal de até três salários mínimos, assistência técnica pública e gratuita para projeto e construção de habitação de interesse social, é fundamental. Não podemos deixar de lamentar que, no próximo dia 24, a lei recém-mencionada completará 10 anos e, apesar da sua extrema importância para um país que tem 85% da sua população em áreas urbanas, continua desconhecida pela sociedade e carece de regulamentação nos municípios.

Como autarquia pública federal responsável por orientar, disciplinar e fiscalizar o exercício profissional, o Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro empreendeu esforços este ano em defesa da regulamentação da Lei da Assistência Técnica nas cidades fluminenses. Podemos dizer que o CAU/RJ é um dos principais “advogados” do projeto de lei 642/2017, da ex-vereadora executada Marielle Franco e em tramitação na Câmara do Rio, que garante o serviço de assistência técnica profissional para o projeto e a construção à população de baixa renda na capital fluminense. Mais do que celebrar, o Dia Nacional do Arquiteto e Urbanista é o momento propício para pensarmos os rumos da nossa profissão e o quanto temos a contribuir para construção de cidades menos desiguais, sustentáveis e democráticas. Não posso concluir sem antes dar meu salve ao mestre Oscar Niemeyer, que hoje completaria 111 anos, e convidar as arquitetas e os arquitetos urbanistas para comemorar o nosso dia, no Teatro Nelson Rodrigues, terça-feira, 18 de dezembro, a partir das 16h.

* Presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro (CAU/RJ)