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Olha a navalha!

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Em seu artigo “Faça o que eu digo...” publicado nesta coluna do JB, no dia 9 deste mês, a artista e doutora em ciências Thelma Lopes faz uma abordagem interessante sobre o hermetismo que caracteriza o discurso relativo ao saber científico e relata que estão surgindo estratégias na educação para divulgar a ciência em linguagem acessível a simples mortais, uma vez que, segundo ela, “o modo de estar no mundo deve guardar equivalência com os discursos que produzimos e defendemos, caso contrário, principalmente no campo da troca dos saberes, trata-se de livre exercício de vaidade e egocentrismo”.

O referido artigo nos estimula a conduzir o raciocínio para além do campo exclusivamente das ciências exatas e nos dá o entendimento de que hoje, em tempos de banalização esquizofrênica da verdade, e por conseguinte, da própria linguagem, a relação significante/significado está se esvaziando e alterando nossa percepção da realidade.

Já se tornou um tanto repetitivo (azar o dele) usar Jair Bolsonaro como exemplo, mas inúmeras são suas falácias e está na capa do JB da mesma data acima mencionada uma citação do próprio: “Normal um ajudar o outro”, diz ele, referindo-se “altruisticamente” aos depósitos feitos por integrantes do gabinete de seu filho, o deputado estadual Flávio Bolsonaro, na conta corrente de R$ 1,23 milhão do seu ex-assessor Fabrício Queiroz, de onde saiu o cheque de R$ 24 mil para a futura primeira-dama, que seria para pagar empréstimo. Bolsonaro mente? Ou não? Ou tanto faz? Ou sua aparente estratégia é para ludibriar a verdade?

Penso que as iniciativas de tradução da linguagem truncada da ciência, anunciada pela doutora Thelma Lopes, podem aplicar-se a todos os discursos, fazendo-se uso do princípio lógico conhecido como Navalha de Occam, ou Lei da Parcimônia,que afirma que a explicação para qualquer fenômeno deve assumir a menor quantidade de premissas possível para que “as entidades não sejam multiplicadas além do necessário, uma vez que a natureza por si só é econômica e não se multiplica em vão”. Esse princípio pode ser aplicado para auxiliar na resolução de problemas mais complexos, como na área da Tecnologia da Informação, como também para orientar muitas das nossas ações no dia a dia.

Evidentemente, não interessa aos donos da verdade que essa “navalha” caia nas mãos do populacho. Por isso é preciso embaralhar as cartas para que o jogo pareça limpo (e difícil) e que não há outra alternativa, senão jogá-lo e obedecer as regras.

Exemplo: a última instância de decisão nas questões econômicas é sempre política, nunca científica. Assim entendida, a economia não deveria, então, ser balizada pela ética, que não permitiria que o agronegócio destruísse a Amazônia, matando a natureza, enquanto metade da população brasileira mal tem dinheiro para comprar um quilo de arroz e outro de feijão, dos quais o excelentíssimo futuro ministro da Economia nem deve saber o preço? No fim, economia como a praticamos se traduz em mais-valia, exploradores e explorados. Exagero reducionista? Pode ser. Mas que gira, gira, mas que roda, roda...

Para que serve uma arma de fogo? Para matar. Essa é a premissa mais aceitável. Mas quem compra a arma, compra, conscientemente, para matar, uma vez que ela só serve para isso? Matar é bom? Se esse comprador enxergasse dessa forma, defenderia incondicionalmente o armamento da população prometido por Bolsonaro? Eis uma outra aplicação da Navalha de Occam, que se massificada poderia desanimar muitos dos adeptos do belicismo do presidente eleito.

Bolsonaro (de novo) falou tanta bobagem e fez tantas ameaças antes de ser eleito que foi chamado de fascista tupiniquim neoliberal, seja lá o que isso signifique. Seus opositores comeram mosca, podiam ter batido sistematicamente na tecla de duas premissas simples, ambas inaceitáveis: ou ele está mentindo o tempo todo, o que lhe tira a credibilidade, ou é de fato antidemocrata, misógino, racista, homofóbico, contrário aos direitos humanos e defensor da tortura, o que coloca vidas humanas sob ameaça, inclusive a de seus eleitores, que no fim também embarcam no Titanic. Sobrou faca e faltou navalha na desconstrução do “mito” Bolsonaro.

Por último, a futura ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, disse que os “índios também são seres humanos”. Por que o “também?”. Condescendência? É só um adverbiozinho, mas que pode significar que ela seguirá o modelo do chefe e nomeará um general para cuidar especificamente da questão indígena, no caso, alguém como Custer.

Albert Einsteinensinou que “tudo deve ser feito da forma mais simples possível, mas não mais simples que isso”. Antoine de Saint-Exupéry,que “a perfeição não é alcançada quando já não há mais nada para adicionar, mas quando já não há mais nada que se possa retirar”. Leonardo da Vinci, que “a simplicidade é o último grau da sofisticação.” Simplifique. Ouse. Desvende. Na maioria das vezes, o rei está nu.

* Jornalista, ex-secretário de Cultura e Turismo de Cataguases