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Coluna da Segunda: O Forte Apache

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Nasci no pós-guerra, em 1950. Meu pai e seus irmãos eram todos civis, meus tios por parte de mãe também. Mas, na infância e no início da juventude, aprendi a admirar os militares e, principalmente, os feitos das tropas brasileiras na Europa. No 7 de Setembro, minha mãe nos levava para assistir à parada na avenida Presidente Vargas, em que os pracinhas, heróis da campanha na Itália, eram sempre os mais aplaudidos. Toda essa imagem ficou para trás quando veio o golpe militar de 1964, e se deteriorou de vez quando o AI-5 foi editado em 13 de dezembro de 1968, pondo fim a qualquer resquício de democracia. Na Tijuca, bairro em que me criei, o quartel da Polícia do Exército na rua Barão de Mesquita passou a ser símbolo da tortura e da repressão. Entre tantos outros, ali foi morto barbaramente o ex-deputado Rubens Paiva. Quando passo de carro e vejo as paredes caiadas de branco com o pomposo nome do marechal Zenóbio da Costa, sinto-me afrontado. Em qualquer lugar do mundo, com o mínimo de respeito pela história, aquele prédio já teria vindo abaixo.

Depois de viver 21 anos debaixo da ditadura e, como jornalista, ter pleno conhecimento dos crimes que foram cometidos nos quartéis e nas casas da morte espalhados pelo país, demorei muito a me sentir confortável diante de militares. Mas, aos poucos, eles se afastaram da cena política e admitiram os excessos que cometeram. Adaptaram-se à criação do Ministério da Defesa, nos moldes da França, com um civil a comandá-los, e aceitaram a criação da Comissão da Verdade. Passaram a exercer o papel que está expresso na Constituição. Eis o que diz o Artigo 142 da Carta: “As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”. Determina o Inciso V do mesmo Artigo que “o militar, enquanto em serviço ativo, não pode estar filiado a partidos políticos”.

Ao contrário de alguns analistas, espanta-me o envolvimento de militares da ativa com o presidente eleito Jair Bolsonaro, ex-capitão do Exército. Desde a eleição tornaram-se comuns os eventos em instalações das Forças Armadas com a participação de Bolsonaro. De tão frequentes mereceram no domingo o seguinte comentário de Artur Xexéo em sua coluna no “Globo”: “Passamos a ver (na TV) cenas de formaturas, entregas de medalhas, homenagens em instituições militares. Bolsonaro visita, pelo menos, um quartel por dia. Nunca vi tanto quartel na minha vida, e olha que eu sou filho de militar”. Nos meios castrenses, tem-se notícia de oficiais preocupados com a vassalagem ao eleito. Não veem com bons olhos a promiscuidade com o novo governo. Se o capitão fracassar, seu fracasso pode contaminar as Forças Armadas, advertem os que zelam pelo perfil estritamente profissional previsto na Constituição.

Outra questão, também polêmica, é a excessiva participação de militares da reserva no futuro governo. Há quem não veja nada demais. Discordo. O general Augusto Heleno, ex-comandante da Amazônia e o primeiro chefe das Forças de Paz do Haiti, como novo titular do Gabinete de Segurança Institucional, é o homem certo no lugar certo no Palácio do Planalto. Mas como explicar a nomeação do general de divisão Carlos Alberto Santos Cruz, que comandou tropas da ONU no Haiti e no Congo, para a Secretaria de Governo, o órgão político que faz a ponte com o Congresso? Dizem que Santos Cruz vai adotar “uma nova forma de entendimento com os parlamentares”. Trata-se, no mínimo, de aposta duvidosa. Ainda no Palácio, o general Floriano Peixoto Vieira Neto, como número 2 da Secretaria de Comunicação Social (Secom), vai gerir as contas de publicidade do governo. De comum com Heleno e Santos Cruz, ele tem no currículo passagem pelo Haiti (o vice-presidente eleito Hamilton Mourão é outro que esteve lá). Não me parece, porém, nome adequado para se relacionar com os órgãos de comunicação.

Já temos quatro generais da reserva no entorno de Bolsonaro. Em Brasília, chama-se de “Forte Apache” a sede do Quartel General do Exército, no Setor Militar Urbano. A seguir assim, o apelido será estendido ao Palácio do Planalto.

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