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Diário do circo

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Entre o primeiro e o segundo turno das eleições presidenciais, publiquei aqui no JB um diário de guerra e paz. A ideia era acompanhar aqueles dias dramáticos e ver os passos que nos levavam ao caos ou à salvação.

Passou-se um mês desde a consolidação da vitória de espirro e, de lá pra cá, o país virou um circo. Devia ter continuado a escrever um diário de guerra e paz? Ou um diário, simplesmente, pois a paz, que era uma hipótese, virou pó. Desanimado, fui escrevendo e apagando anotações soltas, dia sim, dia não, dia não, dia não, dia sim...

No circo, atrações diárias, show de horrores. Tanto no picadeiro, quanto na plateia: na plateia real, violenta, e na virtual, barulhenta.

Exemplo: entra em cena o colombiano que cospe fogo apagado (“vamos comemorar as datas da revolução de 64”!), trazido por seu domador desbocado, aos gritos de “essa educação é putaria, é pegar no peitinho, dar a bunda” etc e tal. Como no programa que o capitão dono do circo anunciou estava a defesa da família e a apresentação descambava pra zona, a orquestra introduz a mulher do colombiano que cospe fogo apagado. O mestre de cerimônias diz que ela escreveu uma tese onde defende que é preciso tratar bem transexual. A plateia vaia, grita, esbraveja, exige que o colombiano que cospe fogo apagado mude de mulher, ou o dono do circo contrate outra atração pra isso daí, ok?

Para acalmar a plateia, o mesmo domador traz sua próxima atração: o diplomito que virou mico (internacional). É acompanhado por um coro de “trumpetes”.

E o capitão dono do circo apresenta, para o número Ciência e Tecnologia, o astronauta que escreve livros de autoajuda, o Astronauto. Mas a grande atração talvez seja mesmo o Moro da Distopia, que começa seu número com a cambalhota do perdão. Ele entra em cena e as outras atrações, quase todas encalacradas, chegam perto dele e dizem “desculpa”. Cada vez que Moro da Distopia ouve do encalacrado a palavra “desculpa” dá uma cambalhota e o público aplaude.

O circo é mambembe, provinciano, mas faz grande sucesso internacional. Dia desses veio aqui o filósofo francês Bernard-Henri Levy e repetiu o que a imprensa e os bem pensantes do mundo inteiro dizem. Nas palavras de BHL: “No clube informal de monstros que está se formando com Trump, Viktor Orban e assim por diante, Bolsonaro é o mais caricatural de todos, o mundo está assombrado com a incrível vulgaridade de seus comentários, é pornografia política”.

Por aqui, “isso daí” é amortecido por jornalistas brilhantes (no sentido de escovados) que diante dos despautérios do dono do circo saracoteiam, dizem que não é bem assim, que ele não vai cumprir as ameaças que faz, que está falando para a militância etc. Enfim, aqui tudo é normal. Quando alguém reclama do número de militares que o capitão já chamou para garantir a segurança do circo, o jornalista brilhante diz: é normal, ele bota militares onde antes Lula botava sindicalistas (como o Henriquinho Meirelles da Força, deve ser).

Isso sem falar no primeiro e surpreendente militar, o que tomou posse antes até da eleição, o militar do Supremo. Comenta-se que uma reunião do alto comando decidiu impor ao novo presidente do Supremo um domador fardado. E o novo presidente do Supremo começou logo a cumprir ordens: vamos acabar com esse negócio de chamar a revolução de 64 de golpe militar, o nome certo é movimento. Quando o dono do circo precisou desse domador em outro número, o presidente do Supremo domesticado pediu logo: manda outro, manda outro. É “atendido” prontamente e, como a coisa mais normal do mundo, a imprensa anuncia que o General Tal foi indicado pelo presidente do STF para ser seu assessor militar. Ninguém diz nada, como se todo presidente do STF tivesse sempre um assessor militar, ora, foi sempre assim, desde... desde... agora.

Às vezes parece que é só um pesadelo, e que de repente uma voz forte de um brasileiro de raiz, mais forte do que a do pastor, ou do jornalista brilhante, ou da voz virtual de milhares de zaps, vai gritar “cheeeeeega, parem com essa palhaçada”!

* Diretor e autor teatral, ator e apresentador

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