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Hannah Arendt, um pensamento atual: a banalidade do mal

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Há 43 anos, em 4 de dezembro de 1975, nos deixou Hannah Arendt, filósofa e cientista política, judia alemã, sobrevivente do nazismo, uma das mais importantes e influentes intérpretes da vida política do século 20. Escreveu obras luminares, “As Origens do Totalitarismo” (1951), “A Condição Humana” (1958), “Eichmann em Jerusalém” (1963). Pensadora das questões da ética, da moral e da política, criou e desenvolveu um dos mais originais e profundos conceitos para se entender a cadeia de adeptos, seguidores e funcionários a serviço do nazismo de Hitler, o conceito de “Banalidade do Mal”. O julgamento do criminoso nazista Eichmann, em 1961, em Jerusalém, acompanhado por ela como correspondente da revista “The New Yorker”, foi determinante no percurso intelectual da filósofa, professora e escritora, e que a levou à formulação de uma das mais célebres expressões da teoria política.

Hoje, diante da vitória pelo voto, com expressiva adesão de apoiadores e seguidores, de um projeto de extrema direita no Brasil, nada mais atual e importante do que lembrar Hanna Arendt.

Para ela, o mal banal caracteriza-se pela ausência do pensamento, pelo vazio reflexivo, que cria uma engrenagem perversa que provoca a privação da responsabilidade. Que vai gerar a intolerância e a prática da violência. Sendo que, muitas vezes, ações voltadas à destruição e eliminação, de gentes e ideias, podem não estar movidas por clara motivação maligna, mas por uma lógica que não percebe e não enxerga as próprias condições de inspiração e produção de seus atos de barbárie.

“Trata-se de uma prática do mal promissora nas sociedades massificadas, possuidoras de organizações econômicas e políticas potentes, nas quais os seres humanos tendem a se sentir sem poder, solitários, submissos e condicionados. (...) O mal banal parece ser um fungo, cresce e se espalha como causa de si mesmo, sem raiz, e atinge contingente enorme da população” (Hannah Arendt, por Odílio Alves Aguiar, “Revista Cult”, janeiro de 2018).

Quanto ao momento político prometido hoje no Brasil, não se pode abarcar nesse conceito toda a imensa legião de eleitores e seguidores, insatisfeitos com a política, a apoiar um projeto que, mesmo cercado de denúncias e evidências de fraude eleitoral, foi vitorioso no pleito pelo qual acabamos de passar. Os imensos e diversos segmentos da população, capturados pelas avalanches de fake news disparadas nas redes de modo imoral e ilegal, são inequívocos objetos que podem ser explicados pelo conceito de Arendt. Mas nem todos, já que a sociedade brasileira, em uma grande parte de sua elite e classe média, mostrou sua cara e ideário fascista, racista e intolerante, origininas, antes guardados no armário.

O Estado totalitário da Alemanha nazista, estudado por Arendt, pode ser considerado, sem dúvida, uma das fontes de inspiração hoje em nosso país para agentes da política, do capital, da mídia e do marketing das fake news, que manipularam segmentos sociais cooptados em suas arrogância e ignorância, conduzindo-os, pela banalidade do mal, em direção a um projeto autoritário de poder. Projeto em curso que guarda similitudes ético-políticas, bem como encarna a representação de valores, caros a experiências autoritárias passadas como a do regime ditatorial de 64 no Brasil, merecedor do elogio e da celebração sistemática pelos atuais vitoriosos da eleição, e mais longe, a experiência do nazi-fascismo europeu.

Há um excelente filme, “Hannah Arendt” (2012), da diretora Margareth Von Trotta, com a atriz Barbara Sukowa no papel da protagonista. Lá, podemos ver a personagem na fase de sua vida, à época do julgamento de Eichmann em Israel (1961), em que desenvolve sua polêmica e impressionante teoria.

Os temas tratados por Arendt em sua obra, refugiados, direitos humanos, autoritarismo, privação da liberdade, crimes contra a humanidade, mentira na política, crises da cultura e da educação, continuam, infelizmente, sendo de grande atualidade, em vários países, e principalmente no Brasil da próxima atração, dos próximos complexos e difíceis anos a viver e enfrentar.

* Jornalista e professor