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Militares e o poder

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O governo Bolsonaro que está emergindo diante dos brasileiros configura interessante ruptura na história do país. Um grupo de técnicos, muito qualificados, vai comandar a área econômica. O ex-juiz Sérgio Moro está criando um setor poderoso ao redor do Ministério da Justiça. Será o xerife. E há o grupo de militares de alta patente com currículos impressionantes e larga experiência dentro e fora do Brasil.

Os militares sabem o que pretendem no governo. Desde cedo eles frequentam o poder. Aliás, de vez em quando eles são o poder. A notícia de que as tropas de Solano Lopes tinham invadido Mato Grosso, em 1864, levou mais de um mês para chegar a Pedro II. O Brasil estava inteiramente desprotegido. Os voluntários da pátria só iniciaram a invasão do Paraguai em 1866. O imperador, embora nascido no Brasil, tinha formação europeia. Exércitos se formavam para combater uma guerra específica. Terminado o conflito, a tropa é dispensada.

Essa foi uma das fontes do desgaste. Outra era o fato de que D. Pedro II não tinha filhos. Só filhas. A princesa Isabel era casada com um francês, Conde D´Eu. Havia reação à possibilidade de o terceiro reinado ser chefiado por um estrangeiro. O marechal Deodoro da Fonseca, que era monarquista, estava meio gripado no dia 15 de novembro de 1889, quando, no Campo de Santana, no Rio de Janeiro, gritou a plenos pulmões: “Viva a República”. Assim acabou o Império. O Exército brasileiro assumiu funções políticas na novíssima República.

A partir daí o país entrou em período de governos civis, bastante tumultuados durante a República Velha. Até que os militares se rebelaram no Forte de Copacabana, em 5 de julho de 1922. Depois, em 1924, iniciaram a marcha da Coluna Prestes, que atravessou o país, passou pelo planalto central, entrou pelo agreste nordestino, chegou às cidades de Natal e Recife. Os tenentes descobriram o Brasil, entraram em contato com o país profundo, perceberam a reação dos nativos e se depararam com o poder dos coronéis do sertão. Foram perseguidos, buscaram exílio no Paraguai e na Bolívia.

Em 1930, os mesmos tenentes, alguns deles já envolvidos pelas ideias socialistas, temperadas pelo positivismo de Augusto Comte, se associaram a Getúlio Vargas e chegaram ao poder. Mas também foram agentes de sua derrubada. Retornaram vitoriosos da campanha na Itália, na Segunda Guerra Mundial. Não aceitaram ter em casa algo semelhante ao que combateram na Europa.

A Academia Militar das Agulhas Negras começou a funcionar em 1944. Ali se formam os cadetes. O Exército é a instituição que melhor conhece o Brasil. Em todos os sentidos: geográfico, histórico e político. Está presente nos quatro cantos do território. A igreja católica, que também está em todo o país, é internacional na composição do clero, na liturgia, na ideologia e nos propósitos. A grande crise militar ocorreu em 1935 com a Intentona Comunista, que provocou violentos combates dentro dos quartéis no Rio de Janeiro, Natal e Recife. Até hoje os oficiais não esquecem a sublevação cometida por companheiros de farda.

Frank D. McCann, no seu monumental “Soldados da Pátria, história do Exército brasileiro 1889 - 1937” (Companhia das Letras) explica o fenômeno. Os tenentes tentaram modernizar o Brasil através de alianças com políticos. Não foram bem-sucedidos. Agora chegam ao poder por intermédio de eleição geral. O futuro presidente Bolsonaro foi eleito. Essa é a novidade na história do país. Vários oficiais de alta patente estão em posição de mando. Além deles, Paulo Guedes e seus liberais e Sérgio Moro com seu séquito de policiais federais e promotores do Ministério Público. Ao que parece, os sucessores dos tenentes chegaram ao poder. Com o antigo propósito: modernizar o país. Desta vez pela vontade majoritária dos brasileiros.

* Este jornalista publica seu último artigo nas páginas do JORNAL DO BRASIL, partindo para novos desafios profissionais