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O perfil eleitoral do Rio

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As eleições de 2018 no Estado do Rio de Janeiro é um marco na história política do estado ou apenas um desvio na “curva” da hegemonia clientelista eleitoral? Muitos analistas, incluindo o que escreve este artigo, não perceberam o elevado abalo sísmico na crise do grupo político dominante nas terras fluminenses. Diante do caos da recessão econômica que foi mais grave por essas bandas, abriu-se o campo político para uma possível nova força política. O duradouro atraso no pagamento dos servidores públicos e constantes reportagens sobre a violência. As seguidas informações sobre os desdobramentos da Operação Lava Jato. A prisão de deputados estaduais que não foram cassados pelos seus pares na Alerj. Esses e outros fatores alimentaram uma tendência ao que considero ser um “Voto de Fúria”.

O “Voto de Fúria” não tem padronização ideológica, mas aqui se alinhou à tendência dominante na política nacional, uma vez que o presidente eleito tem domicílio eleitoral na Zona Oeste carioca. A fratura política da “máquina eleitoral” teria facilitado o elevado índice de estreantes nas eleições proporcionais (deputados federais e estaduais) além da eleição de um governador que veio da magistratura. Os bairros que concentram o eleitor do “mundo do trabalho” se acham abandonados no tema da segurança pública. A liberdade de organização das bases populares sofre constrangimentos e tensão nessas comunidades sob a pressão do crime organizado.

O “Voto de Fúria” libertou o eleitor do clientelismo político clássico, porém não teria libertado o voto das amarras da dependência política em relação a círculo de comunhão da fé e na troca de favores pela segurança do dia a dia. Nas zonas eleitorais da Zona Oeste, identificada com as camadas populares, o perfil da política se assemelha ao que Gramsci estudou no Mezzogiorno da Itália no qual o papel intelectual da escolha da Igreja Católica se encontra nas mãos de pregadores evangélicos conhecidos da grande mídia.

Esse seria um dos temas da “questão meridional” estudados pelo pensador italiano que teria se espalhado pela Região Metropolitana e pelo interior pelas redes sociais. A proliferação de conflitos sem organização das camadas populares permite esse elevado grau de eleitores inorgânicos e “fidelizados” numa “máquina eleitoral” de outro tipo. Contudo, não estamos num processo no qual se parte do “zero” na política estadual. O peso dos acordos do futuro Governador com as forças políticas tradicionais já se faz presente. A “República de Irajá” não morreu!

Nesse aspecto, a renovação do perfil eleitoral do Rio de Janeiro se desdobra numa linha ziguezagueante que os analistas precisam melhor estudar. Por sua vez, o Rio de Janeiro se refundaria politicamente se as manifestações eleitorais desse ano se confirmar nas próximas eleições municipais com a formação de uma nova elite política estadual. Por isso, as forças democráticas precisam repensar a política local com a criação de núcleos de bairros dinâmicos em defesa da pluralidade cultural e da melhoria na qualidade dos serviços públicos.

* Mestre em Sociologia e professor de História