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PDF on-line

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“Todos os urbanistas têm o dever de tomar em consideração, nos seus trabalhos, a defesa contra a ofensiva pelo ar”.

Talvez a frase pudesse se referir aos drones assassinos, almejados a cruzarem o anil de nossos céus, mas já tem 85 anos e foi colhida na Revista da Diretoria de Engenharia da Prefeitura do Distrito Federal, ou PDF. O autor, José Estelita, voltará ao assunto, em 1942, mais assertivo, pois a guerra já ia para o segundo tempo, com EUA, e até Brasil, deixando o banco, ou, no nosso caso, o muro.

Graças ao Altíssimo e à CSN, descemos do lado que se poderia chamar “do bem”. E, melhor ainda, vencedor. Perder guerra, ou eleição, é uma maçada.

Desde sua criação, em 1932, a revista cumpria um papel. Discutiam-se os rumos, não só da arquitetura, como da nação: basta lembrar que poucos anos separam os levantes comunista e integralista da instalação do Estado Novo.

A esplanada do Castelo servia de palco à disputa: cada novo ministério seguia um pensamento arquitetônico, com tons ideológicos: o modernismo, usando um termo do nosso tempo, seria esquerdopata.

E a Revista PDF, bastião do modernismo, trazia Le Corbusier às páginas e dava visibilidade aos trabalhos do (genial) funcionário público Afonso Eduardo Reidy, tendo à frente da redação, ninguém menos do que Carmem Portinho, figura que merecerá destaque, não só nesse front, mas nas lutas da mulher pelo voto e no campo universitário.

Enquanto isso, o grande desafeto do modernismo e prócer do neocolonial, José Mariano Filho, demonizava os oponentes, alertando sobre a infiltração judaico-comunista...

Mas pulemos o Estado Novo – quando já havia fakenews com o nome de Plano Cohen – e a ascensão da engenharia rodoviarista – e aterrissemos nos anos 50: morro de Santo Antônio arrasado e as propostas para sua ocupação desfilavam, ou melhor, se enfrentavam nas páginas da PDF. A do Engenheiro Saboya, rica em detalhes, apresentada em sucessivos meses, não logrou ser implementada. A de Reidy, já no apogeu do modernismo, desenha a sua, inclusive com a alteração da natimorta Av. Diagonal: a atual e inacabada Av. República do Paraguai.

Teria sido a primeira grande aplicação do urbanismo modernista no país, malograda pela transferência da capital. Dele foi, também, anos antes, o primeiro projeto publicado na revista, seguido pelo lendário conjunto da Gamboa, de Lucio e Warchavichik – o tal judeu comunista.

Mas se o título que vos trago remete a algo tão diferente do que usamos no nosso cotidiano, é porque a PDF efetivamente está on-line: graças à digitalização do acervo, realizada pela equipe do Arquivo da Cidade, e inserido no fantástico portal da Biblioteca Nacional, com a tecnologia e concurso da excelente Docpro.

E se basta inscrever uma palavra e revelam-se todas as suas ocorrências na coleção da PDF, como de outras publicações, isso só foi possível pelos anos dedicados pelas equipes dos Arquivos Públicos, na preservação de acervos, e de quilômetros de documentos, fundamentais não só para se compreender a nossa história, mas até para determinar coisas comezinhas, como os limites de uma propriedade urbana, que, por vezes, remonta a um ato da Coroa Portuguesa.

Inspirador, ressalto o trabalho de Bia Kushnir, que se mantém à frente do Arquivo da Cidade, mas também às inestimáveis contribuições de Jaime Antunes e Paulo Knauss, quando das respectivas passagens pelos Arquivos Nacional e Estadual.

Nesse período de trocas, temo que essas Instituições sejam ignoradas ou entrem no rol das coisas desprezíveis.

Excelências! São essenciais!

Embora venham demonstrando uma enorme tendência a repetir o passado, mormente seus erros, os eleitos parecem desconhecer sua preservação material e, relegando seus testemunhos às “ofensivas pelo ar”... ou terra ou mar, em contagem regressiva, ordenam:

Fogo!

* Arquiteto – Urbanista, DSc