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A Lei das Estatais sob ameaça

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Proibir a indicação de dirigentes partidários e políticos para a direção das estatais, assim como exigir o cumprimento de critérios técnicos para o preenchimento de cargos importantes nestas empresas foram algumas das principais conquistas da Lei das Estatais. O Projeto de Lei nº 6621/2016, aprovado pela Câmara dos Deputados, busca reverter esses avanços, constituindo um substancial retrocesso na luta contra a corrupção no Brasil.

O caminho percorrido por este retrocesso, como de costume nestes casos, está repleto de solavancos. Tratava-se de um projeto destinado a organizar o funcionamento das agências reguladoras e, neste sentido, houve discussões sobre a imposição de critérios para a indicação de seus diretores. Ao invés de buscar inspiração na Lei das Estatais para isso, entretanto, seguiu-se o percurso contrário: aprovou-se um ‘jabuti’ que, na prática, permite a indicação para os cargos de comando das empresas estatais de dirigentes partidários e integrantes de campanhas eleitorais, assim como de parentes de ministros, deputados e senadores.

Significa um retrocesso frente às melhores práticas e às recomendações internacionais. Vai contra as recomendações da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, organização à qual o governo Temer demonstrou pretensão de aderir. Contraria também os “10 Princípios Anticorrupção para Empresas Estatais” da Transparência Internacional, que recomenda a imposição de restrições à indicação de políticos e seus parentes para ocupar assentos na diretoria e nos conselhos das empresas estatais.

Por si só, as restrições que se pretende reverter não são suficientes para proteger as estatais brasileiras da corrupção. Muitos dos operadores dos esquemas revelados pela Operação Lava Jato eram funcionários de carreira, sem envolvimento político prévio. A aprovação do PL 6621/2016, pelo Senado, enviaria, entretanto, a pior mensagem possível ao povo brasileiro.

Contraria, afinal, a vontade popular manifestada nas últimas eleições. Enviar uma resposta contra a corrupção foi o que levou tantos eleitores às urnas e produziu surpresas, inspiradas pelo discurso antipolítica, em todo o país. É prova disso a taxa de renovação do Congresso e o número de políticos com pendências na Justiça que não conseguiram se reeleger.

Reforçará, no mais, a impressão de que as estatais estão ao bel-prazer dos governantes, servindo como moeda de troca na formação de coalizões políticas e alianças partidárias. De acordo com uma pesquisa da Ernst & Young, 91% dos brasileiros, em 2010, já acreditavam que as estatais eram excessivamente influenciadas por políticos. Difícil imaginar que este número não tenha subido nos últimos anos.

Para aqueles que são contrários às privatizações, defender a Lei das Estatais é ainda mais urgente. Afinal, é a percepção de que estão contaminadas pela corrupção e a serviço de políticos que motiva uma parcela da população a apoiar as privatizações. Garantir a integridade das empresas estatais brasileiras é fundamental não só para prevenir que se desenvolvam novos esquemas de corrupção, mas também para assegurar que elas desempenhem com eficiência o seu papel central economia.

Os últimos anos evidenciaram como as estatais brasileiras foram saqueadas por corruptos e corruptores, causando graves prejuízos à economia nacional e à democracia do país. Proteger e avançar na implementação da Lei das Estatais deveria estar no topo da agenda política de senadores e deputados, seja por uma preocupação com desenvolvimento nacional, seja por instinto de sobrevivência.

* Pesquisador (FGV - Direito Rio)