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O feminismo que muda histórias

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Não é sobre números. É sobre vidas ceifadas, mulheres eliminadas. Não é sobre números, mas os números assustam. Dados da ONU divulgados essa semana, no Dia Internacional pela Não Violência contra a Mulher, revelam que seis mulheres morrem por hora no mundo, vítimas de seus maridos, ex-maridos, companheiros ou ex-companheiros. O perigo está em casa, o inimigo não mora ao lado, mas debaixo do mesmo teto e dorme na mesma cama. Informação desesperadora, quando levamos em consideração as campanhas, as manifestações, os protestos de mulheres contra esse tipo de crime. E apesar de todo o barulho, os casos não cessam. Homens continuam a matar mulheres pelo simples fato de elas serem mulheres.

Não é sobre números, mas são os números que desenham o cenário grotesco. De acordo com o relatório da ONU elaborado pelo Escritório das Nações Unidas contra a Droga e o Crime, “no mundo todo, em países ricos e pobres, em regiões desenvolvidas e em desenvolvimento, um total de 50 mil mulheres são assassinadas todo ano devido ao seu papel e à sua condição de mulher”. Ainda segundo o documento “Assassinato de gênero de mulheres e meninas”, os crimes de feminicídio fazem com que o lar seja o lugar mais perigoso para essas vítimas e “frequentemente a culminação de uma longa violência de longa duração que precisa ser combatida”.

Em seu estudo, a Organização das Nações Unidas conclui que o envolvimento dos próprios homens no combate ao feminicídio é um “aspecto crucial” para enfrentar o assassinato de mulheres. A ONU propõe o desenvolvimento de “normas culturais que se afastem da masculinidade violenta e dos estereótipos de gênero”, além da “educação precoce de meninos e meninas, que promova a igualdade de gênero e ajude a quebrar os efeitos negativos dos papéis de gêneros estereotipados”. É uma solução que envolve toda uma sociedade, toda uma cultura, todo um combate a uma herança cultural patriarcal que coloca o homem como proprietário do corpo da mulher que se casa com ele, ou que o escolhe como namorado ou companheiro. É um processo de cura de relacionamentos doentes, em que a mulher possui obrigações que lhe são impostas desde a casa dos pais até a casa em que vive com o marido e filhos. Obrigações morais que não são impostas aos homens, obrigações de tarefas que “não cabem” aos maridos, quando se vive sob um teto machista, que passa de geração em geração.

Relatórios como esse da ONU, que escancaram números que assustam, de nada valem se não servirem de alerta para formadores de opinião, educadores, médicos, que lancem mão dos dados para ajudar a mudar histórias. É obrigação de todos que entendem a gravidade desses números fazer a sua parte para poupar vidas, espalhar respeito, fazer a sociedade perceber que núcleos familiares que matam suas mulheres estão fadados ao sofrimento crescente e eterno.

Como parte do enfrentamento do problema, a Organização das Nações Unidas lançou a campanha “Dezesseis dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres”, que se estenderá até o Dia Internacional dos Direitos Humanos, em 10 de dezembro. Como parte do programa, as mulheres serão incentivadas a desabafar e denunciar casos de machismo de que sejam vítimas em todo o mundo. A chefe da ONU Mulheres, a sul-africana Phumzile Mlambo-Ngcuka, que também é subsecretária-geral das Nações Unidas, afirma que a campanha “é um chamado para ouvir e acreditar nas sobreviventes, colocar fim à cultura de silêncio e ao questionamento da credibilidade da vítima”. Todo apoio à campanha da ONU. Já é hora de não se aceitar mais a culpabilização da vítima!

* Jornalista e mestranda em Psicologia Social pela USP