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É hora de privatizações?

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O Brasil vive um momento peculiar de aversão ao Estado, momento este criado pela Operação Lava Jato e outras similares. Isso ocorreu não tanto pelos atos de corrupção expostos, pois sempre se soube que existiam; mas sim pela sua extensão e pelo fato de ter sido institucionalizada. Com isso, o Estado passou a ser considerado corrupto e ineficiente e suas estatais vistas como apenas fontes geradoras de propina. E a privatização passou a ser um dos carros-chefes do modelo econômico a ser implementado pelo novo governo que se avizinha, que, sob liderança de Paulo Guedes, já fala até em uma secretaria dedicada inteiramente à tarefa.

A Petrobras pode ser considerada um bom exemplo dessa situação. A estatal é símbolo de um modelo de crescimento baseado na forte presença do Estado na economia. E durante muitos anos, décadas até, ela cumpriu com seu papel de incentivar o crescimento econômico, a industrialização e a pesquisa. Mas ela começou a se perder quando entrou em áreas onde deveria incentivar e não ocupar, tais como a produção de fertilizantes, de petroquímica e de biocombustíveis, e até mesmo em mineração e comércio exterior. Durante os governos Collor e FHC, partes de suas atividades foram privatizadas, com destaque à petroquímica. As áreas de comércio exterior e de mineração foram descontinuadas.

Mas isso durou pouco e, em governos ditos progressistas, ela voltou a expandir sua presença, terminando por se perder de vez, quando se transformou em moeda de troca para fins de propina: obras superfaturadas; fixação de preços dos derivados e sem base nos custos, mas com fins eleitorais; investimentos sem embasamento técnico, mas que atendem a objetivos políticos, dentre muitos outros. Conhecemos o script: com o choque de realidade operado pela Lava Jato, que não tendo demonstrado ainda toda a extensão dos desmandos (pois certamente tem muito mais escondido), mostrou o suficiente para gerar um sentimento de revolta que embasa e reforça o discurso dos que defendem o fim de todas as estatais e, por tabela, da presença do governo na economia, seja de que forma for. Segundo eles, a solução sempre foi e será o mercado. O mais novo Superministério da Economia parece que responderá integralmente a esse apelo.

Mas e então? Deve-se acabar com a Petrobras e, consequentemente, com quaisquer outras estatais? Deixar tudo por conta da iniciativa privada e segundo as leis do mercado?

Se você quer uma resposta simples, sem grandes preocupações com o futuro e com as consequências da decisão, a resposta é sim. Acabem com todas, sem exceções. Mas se você se preocupa com o futuro de seus filhos e netos, pense duas ou mais vezes. Lembre-se de que este tal de mercado não está preocupado com pessoas nem países, apenas com o lucro. Para ele, ou você é um consumidor ou você é um custo. Se você é um consumidor, não importa de onde venha o que ele vai lhe vender, desde que ele tenha lucro nisso. Pode ser feito no país, no exterior, onde for mais barato. Já se você for um custo, como por exemplo são os empregados, você tem que ser eliminado para maximizar os lucros. Sempre que possível será substituído por uma máquina ou por alguém que custe mais barato, e estará desempregado. E também não possui nenhuma lealdade ao país de origem ou onde opera. Se aqui os impostos são maiores do que, por exemplo, na China, pode esperar ser abandonado tão logo possível. E o resultado disso: desemprego ou empregos de baixa qualidade tendo como resultado o aumento da pobreza.

Assim, é suicídio deixar a economia de qualquer país apenas na mão do mercado. Governos preocupados com o bem-estar do seu povo interferem, sim, regulam as atividades econômicas, em prol do desenvolvimento nacional. Importante ressaltar que não se deve negar algumas virtudes do mercado. Ele pode e deve ter liberdade, mas dentro de certos limites e obedecendo a determinadas regras. Não pode ser totalmente livre para fazer o que bem entender. Neste contexto, algumas empresas estatais em determinadas áreas estratégicas e com elevado poder multiplicador não só são necessárias como até fundamentais para o progresso. E, para essas estatais, a finalidade maior não deve ser o lucro, mas sim alavancar outros setores da economia; esses, sim, conduzidos por empresas privadas e regidos pelo tal mercado. O lucro deverá ser a consequência de uma boa gestão e não o objetivo maior de qualquer gestão. Esta gestão deve ser transparente, mantida longe de injunções políticas e gerida de forma técnica e capacitada. Jamais deverá ser um cabide de empregos, mas sim um quadro funcional suficiente para o cumprimento de suas atividades.

A Petrobras devidamente saneada, ajustada e fiscalizada, se encaixa à perfeição nesse modelo. É isso que devemos reivindicar como farol do desenvolvimento, sem nos deixar seduzir pelo canto da sereia.

* Ex-diretor no ramo químico do Grupo Ipiranga