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Anauê, Rodríguez!

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Existem, no Brasil, cerca de 90 mil professores de universidades federais. O número deve dobrar se contarmos os professores de universidades estaduais, como a USP e a UERJ. Portanto, não foi por falta de quadros habilitados que o presidente eleito Jair Bolsonaro deu as costas ao nosso meio acadêmico ao indicar seu futuro ministro da Educação. Depois de ver o professor Mozart Neves Ramos vetado pela bancada evangélica, o capitão escolheu para o cargo o colombiano Ricardo Vélez Rodríguez, de 75 anos, professor emérito da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército. Naturalizado brasileiro em 1997, aos 54 anos de idade, Vélez Rodríguez contou com o aval do filósofo Olavo de Carvalho, polêmico guru da direita. O próprio Olavo, porém, fez ironia com sua influência sobre os Bolsonaros. “Eles leem as coisas que eu escrevo e levam a sério”, disse, em entrevista a Natalia Portinari, do jornal ‘O Globo’.

Ao buscar um estrangeiro para comandar a Educação no país, Bolsonaro mostra todo seu desrespeito em relação ao nosso meio acadêmico. Mas escolheu um intelectual afinado com suas ideias (como sabemos, anacrônicas). Vélez Rodríguez, como seu chefe, considera que o Golpe de 1964 deveria ser comemorado. “1964 nos livrou do comunismo. Nos poupou os rios de sangue causados pelas guerrilhas totalitárias”, escreveu, em seu blog. Também é defensor de uma visão da sociedade próxima à da ultraconservadora TFP (Tradição, Família e Propriedade). Em carta aberta, após ser indicado, afirmou que sua gestão terá foco nos valores da sociedade brasileira, que “é conservadora e avessa a experiências que pretendem passar por cima de valores tradicionais ligados à preservação da família e da moral humanista”.

Olavo de Carvalho dá uma pista valiosa sobre Vélez Rodríguez. Segundo ele, o professor colombiano conhece a fundo o pensamento nacional e “se você falar de integralismo brasileiro, ele sabe tudo”. Ou seja, do que leu e viu por aqui, o futuro ministro tornou-se especialista no movimento integralista, fundado por Plínio Salgado com inspiração no fascismo italiano. Os militantes vestiam uniforme verde, estendiam a mão para o alto e, em vez de “Heil, Hitler”, adotavam o brado “Anauê”, surrupiado do tupi-guarani. Entre 1932 e 1937, os integralistas apoiaram a ditadura Vargas, até que caíram em desgraça e foram postos na ilegalidade. Alguns nomes de expressão, como San Tiago Dantas e o poeta Augusto Frederico Schmidt foram atraídos pelo discurso nacionalista, mas, depois, se penitenciaram pela bobagem.

Vélez Rodríguez, porém, deve continuar fiel ao ideário de Plínio Salgado. Basta ver seu texto “O marxismo gramsciano, pano de fundo ideológico da reforma educacional petista”, publicado em 2006, quando estava na Universidade Federal de Juiz de Fora. Entre outras pérolas, o colombiano afirma que “a partir dessas duas agências (a Pastoral da Terra e o Conselho Indigenista Missionário), importantes ações de doutrinação marxista, bem como de invasão de terras produtivas e de deflagração de conflitos nas áreas indígenas têm sido ensejadas ao longo dos últimos anos”. Para não perder a viagem, atira no dominicano Frei Betto: “Tal é o grau de comprometimento desses “teólogos” com as ações ditas revolucionárias, que importante escritor paulista propunha, há alguns anos, que um dos representantes desses intelectuais orgânicos, Carlos Alberto Libânio Cristo, vulgo frei Beto, amigo do peito do ditador cubano, mudasse o seu nome para Carlos Alberto Libânio Castro”.

Por mais incrível que pareça, o colombiano, em sua catilinária conservadora, assesta a mira contra a atriz e cineasta Carla Camuratti. Eis o delírio de Vélez Rodríguez: “Os heróis de antanho perdem lugar no pedestal da história, para novas figuras saídas das sombras do populismo. Dom João VI já tinha sido defenestrado por Carla Camurati no seu filme “Carlota Joaquina”, numa típica desconstrução gramsciana dos nossos valores nacionais. Nada presta, somente ficando em pé a retórica vazia da ‘revolução cultural’, em agressiva ascensão”. Coitada de Carla. Até então dizia-se que seu belíssimo filme contribuiu para a retomada do cinema brasileiro. Mas, na visão torta do futuro ministro da Educação, “Carlota Joaquina” faz parte de uma grande conspiração “gramsciana”. Esse é o substrato da filosofia de Vélez Rodríguez. Coitados de todos nós!