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Nem tão diferente assim

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Acabamos de atravessar mais um processo eleitoral. Talvez o mais marcante da era pós-redemocratização do Brasil. Uma eleição marcada por acontecimentos históricos e, certamente, serão matérias de livros e crônicas futuras. Isso me fez lembrar a última eleição nos Estados Unidos. A mais emblemática que já acompanhei.

Nossos processos eleitorais são distintos. Nos Estados Unidos o sistema é predominantemente bipartidário (sim, existem mais de dois partidos), iniciados através do sistema de prévias.

Estamos em 2016, o então empresário Donald Trump coloca seu nome na disputada das prévias republicanas. Com discurso radical, reascende o patriotismo americano através de propostas econômicas protecionistas. Vivendo o fim da crise americana, prometeu resgatar a reindustrialização. Desacreditado na visão primitiva da velha oligarquia política dos caciques do seu partido, foi vencendo um a um nas prévias sem dificuldade. O Partido Republicano tinha certeza de que seu candidato, o governador Rick Perry, do Estado do Texas, venceria. Quando perceberam já era tarde demais. Encamparam, obrigatoriamente, a candidatura de Trump, que logo mais à frente tornou-se vitoriosa. Seu slogan “Maioria Silenciosa” acertou em cheio o sentimento do americano e silenciou a cúpula republicana.

Do outro lado, o Partido Democrata, liderado pelo então presidente Barack Obama. Na visão mundial, um dos maiores líderes de todos os tempos, na visão interna, saiu com uma aprovação bem abaixo do esperado. Apostaram suas fichas na ex-primeira-dama Hilary Clinton, que venceu as prévias com um pouco mais de dificuldade do que o então senador do Estado de Vermont Bernie Sanders. Ele, autodeclarado social-democrata, nacionalista e progressista. Crítico ferrenho do sistema bancário americano e dos grandes oligopólios que financiam o processo eleitoral (sempre buscando algo em troca, é claro!). Caiu nas graças de boa parte dos americanos, principalmente a juventude, e as pesquisas mostravam que ele era o candidato mais elegível dentre todos. Após uma disputa acirrada no campo das ideias, Hilary Clinton consegue a cadeira democrata para a disputa.

Como dito, o candidato republicano resgata o patriotismo americano através da necessidade de recuperação industrial, uma política protecionista de valorização da produção interna e críticas ferrenhas às empresas americanas que expandiam suas filiais mundo afora enquanto o país atravessava uma das suas maiores taxas de desemprego. Resgatou, na minha visão, a doutrina lançada pelo presidente James Monroe, em 1823: “A América para os americanos”.

Já Hilary Clinton entrou na disputa com uma plataforma de defesa do legado democrata, principalmente do seu antecessor Barack Obama. Sua plataforma defendia o aumento da renda da classe média americana, o programa de saúde Obamacare, programas voltados para acesso gratuito à universidade, direitos dos homossexuais, imigrante e um maior controle do sistema de armas.

Donald Trump surpreendentemente vence elegendo 56,5% dos delegados. Contra tudo e todos, calou seu partido, o sistema político, a mídia americana e analistas/cientistas políticos que não enxergaram que o sentimento das ruas tinha mudado.

Comparando especificamente o último processo eleitoral em cada país, as semelhanças são visíveis, a começar pelos atores. Imagine que: a cúpula do partido republicano é a direita liderada pelo PSDB; o governador Rick Perry é Geraldo Alckmin; a cúpula do partido democrata é a esquerda liderada pelo PT; senador Bernie Sanders é Ciro Gomes; as prévias são nosso primeiro turno; Barack Obama é Lula; Hilary Clinton seria Fernando Haddad e Donald Trump é Jair Bolsonaro.

Dentro dessa ótica exclusivamente eleitoral, o pleito não foi tão diferente assim. Na verdade essa guinada à direita é um ciclo mundial, e não apenas nos Estados Unidos e no Brasil. Além de nós, países na Europa como a França e, na América do Sul, como a Argentina, já optaram por essa mudança político-ideológica nas suas administrações governamentais, isso sem mencionar as políticas públicas adotadas por Chile, Colômbia, México e por aí vai. O mundo deu a seta para a direita. Cabe-nos observar por quanto tempo.

* Mestre em Administração Pública pela FGV-RJ e ex-vereador de Petrópolis-RJ