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Hegemonia

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Um grupo, nos anos 80, constituído de advogados de bom nome, juristas, jornalistas, entre eles o saudoso Carlos Castello Branco, se reunia no extinto bar do Florentino para conversar sobre política. As discussões, temperadas por vinhos de ótima procedência, eram monumentais e profundas. Durante quase um mês o grupo debateu um singelo tema: quem foi o alemão que mais influenciou o mundo moderno. O vitorioso foi Martinho Lutero, aquele que contestou a Igreja Católica, em 1517, com suas 95 teses,colocadas na porta da Igreja de Wittenberg.

O movimento protestante provocou diversas guerras religiosas na Europa. Muita gente fugiu dos conflitos e procurou paz no novo mundo. As ideias liberais francesas frutificaram primeiro nas 13 colônias na América do Norte. Os fundadores daquele país criaram um sistema em que não existia um rei, nem aristocracia, e todos seriam iguais perante a lei. Além disso, não haveria bispos, santos nem intermediários entre o homem e Deus. O país seria baseado na ação do individuo, na força, inteligência e capacidade de criar. E toda ênfase foi dada ao esforço de educação.

A resposta da Igreja Católica Romana ocorreu com o movimento chamado de contrarreforma,que se iniciou no Concílio de Trento, de 1546. Os religiosos decidiram retomar as ações do Tribunal do Santo Ofício, estabelecer o index de livros proibidos, o incentivo a catequese dos povos do Novo Mundo e a criação de novas ordens religiosas, dentre elas a Companhia de Jesus. Os jesuítas construíram o Brasil, junto com as autoridades portuguesas. Eles assumiram a função de agentes da Inquisição. O tribunal da Inquisição na América portuguesa ficava em Lisboa. Na América espanhola se situava em Lima, no Peru.

Os Estados Unidos resultam da reforma protestante. O Brasil é filho da contrarreforma católica. A diferença é estrutural e profunda. Além disso, a população é constituída de europeu branco, negro africano, mestiço, estrangeiro de outras origens e indígenas. O colonizador português quase não trouxe mulheres. Vieram muito poucas para o Brasil e as que aqui chegaram tinham objetivo definido de servir aos seus senhores, lhes dar filhos e ajudar a implantar as diretrizes católicas. Os fidalgos não gostavam de trabalhar. Madames, nem pensar. A situação fica mais complicada quando se percebe que muitos dos brancos que chegaram aqui eram judeus convertidos.

Não há, portanto, na política brasileira, um grupo hegemônico. Inexiste ideia nítida de como deve ser o país. Aqui, o Estado surgiu antes da sociedade. As pessoas mais importantes do reino eram o representante do rei, o governador geral, o bispo e o coletor de impostos. Isso foi assim até que o Marquês de Pombal expulsou os jesuítas portugueses de todas as colônias. Essa história desembarca nos dias de hoje na eleição de Jair Bolsonaro, conservador na política, liberal na economia e apoiado de maneira ostensiva pelas denominações neopentecostais, que são relacionadas com o já citado Martinho Lutero. O novo presidente começou a trabalhar antes de tomar posse. Ele refaz as prioridades nacionais. Mas persiste a indefinição nacional sobre como o país deve se organizar de maneira definitiva. Isso ocasiona a dança de ministérios.

O Brasil não está passando por uma simples mudança de governo. Está em processo uma modificação de sistema e de objetivos. No centro deste movimento emerge o papel do Exército na história do Brasil. Os generais que cercaram o novo presidente deverão dar o norte e apontar as principais ações de médio e curto prazos. O Partido dos Trabalhadores teve nos últimos anos algo em torno de 30% dos eleitores do Brasil. Tentou ser hegemônico, mas se lambuzou todo no poder. Os outros 70%, ou a maior parcela deles, decidiram que o país deveria caminhar para outro rumo, com outros objetivos. É o que está acontecendo.

* Jornalista

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