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Consciência Negra e os quilombos no Brasil

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O Quilombo dos Palmares se formou a partir de escravizados que fugiram de seus senhores e se estabeleceram na Zona da Mata nordestina no início do século 17, criando uma rede de outros 12 quilombos que, segundo algumas fontes, chegou a ter mais de 20 mil habitantes, formando, ainda que simbolicamente, o primeiro Estado independente do Brasil. Havia poder político de comando, defesa militar e autossuficiência na produção de gêneros alimentícios. A morte do chefe Zumbi dos Palmares, substituto de seu tio Ganga Zumba, se deu no dia 20 de novembro de 1695, data em que se comemora o Dia da Consciência Negra. Barbaramente, a cabeça de Zumbi foi cortada, salgada e levada para Recife, onde acabou exposta em praça pública com os seguintes dizeres: “Para satisfazer os ofendidos e justamente queixosos e para atemorizar os negros que achavam que ele era imortal”.

Durante cerca de 350 anos de escravatura, a formação de quilombos mostrou-se uma constante, pois onde há a tirania do regime econômico escravocrata haverá a tentativa de fuga, já que a busca da liberdade se constitui em um direito natural do homem. Tanto que o ato de se aquilombar ocorreu em outros pontos, recebendo os nomes de palenques nas colônias espanholas, marrons nas inglesas e grand marronage nas francesas. Segundo historiadores contemporâneos, 15 milhões de africanos foram arrancados de suas terras para a América, sendo que 40% foram trazidos para o trabalho servil no Brasil, no que se chama de diáspora africana. Apenas para que se tenha uma noção de grandeza, no primeiro censo realizado em 1872, chegou-se a um número de 9.930.478 habitantes no Brasil.

O poder constituinte soberano que se formou no ano de 1987 andou bem em reconhecer que era importante dar visibilidade ao fato histórico dos quilombos e dignidade à etnia africana que, ao lado de outras culturas, contribuiu para a formação do processo civilizatório nacional, gozando de proteção constitucional no tocante aos seus modos de criar, fazer e viver e, para esse fim, é fundamental a preservação do território.

Nessa linha, a Constituição estabeleceu que “aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”. Trata-se de decisão típica de uma sociedade pluriétnica e que sinaliza a importância de resgatar um passado histórico hediondo de escravidão e que sonegou, sobretudo, à população negra o acesso à terra formal, dentre outros direitos sociais básicos.

Nesse sentido, o governo brasileiro já reconheceu, por meio de laudos antropológicos e históricos, que há mais de três mil quilombos remanescentes no Brasil e pouco mais de cem tiveram o reconhecimento da propriedade, gerando insegurança, violência no campo e dificuldade de emancipação social de tais comunidades. O fato é que contamos, nesse caso, com uma pífia efetividade constitucional de pouco mais de 3% em 30 anos de vigência da Constituição. Entretanto, o momento não poderia ser mais auspicioso para superar essa lamentável ineficácia social da nossa lei maior. Em primeiro lugar, porque o STF reconheceu em 08/02/2018 a validade do decreto federal que se propõe a tornar efetivo esse comando e, em segundo, em razão do compromisso declarado dos futuros delegatários do poder central de cumprimento da Constituição da República de 1988.

* Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro