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Sistema partidário, esquerda e centro-esquerda

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A crise do sistema político e a eleição de Jair Bolsonaro como presidente não poderiam deixar de criar uma enorme pressão sobre o sistema partidário, já em si muito combalido. Muita coisa ocorrerá com o início, enfim, de um novo ciclo político.

No campo da direita e da centro-direita, o crescimento estrondoso do PSL, bem como o domínio de João Doria sobre o PSDB, e o surpreendente crescimento do DEM, impõem rearrumações grandes. Se um novo partido, atraído pelo poder do Executivo nascerá daí ainda se verá. O que farão os derrotados do PSDB, igualmente. Ademais, a fragmentação do campo de centro-direita/direita continua enorme. Pergunte-se ainda como o MDB juntará seus cacos e sobre os rumos do Novo e de projetos do tipo Luciano Huck.

No centro e na esquerda, as coisas prometem, em prazo mais longo, serem também altamente dinâmicas. Fala-se da fusão entre Rede, PV e PPS como solução, inclusive, para problemas devidos à cláusula de barreira. Podem estabelecer uma nova agremiação, com marca ambientalista, atraindo setores mais à centro-esquerda do PSDB. Na centro-esquerda propriamente dita, o novo bloco PDT-PSB, secundados pelo PCdoB, emerge. Pretendendo manter sua hegemonia, o PT declinou de participar do bloco sem liderá-lo. Não é claro o que fará o PSOL.

No campo do PT e seus aliados, como o MST, fala-se muito em “voltar às bases”. Nesses termos, trata-se de frase vazia. Não que não seja necessário, como disse Mano Brown, voltar a ouvir a periferia. O problema é que não somente falar de “bases” deixa intactas as hierarquias (cristalizadas em aparelhos partidários e sindicais). É que se ouvir é preciso, também é urgente falar. Falar o quê?

Aí a coisa se complica. Pois trata-se de pensar a política. Como chegamos ao ponto de eleger Bolsonaro, candidato até há pouco caricatural, de extrema-direita? Claro, a centro-direita tem enorme parcela de responsabilidade nisso, mas não há como negar que essa derrota se segue a quase quatro gestões petistas, sua responsabilidade não se pode ocultar. Nela entra não apenas a corrupção estratosférica e a arrogância, ambas fortemente rejeitadas pelo conjunto da população. Mais que isso, o hegemonismo e o esforço do PT para destruir tudo o que estivesse à sua esquerda e em especial na centro-esquerda. Desde sua fundação, este é um problema do PT, mas se fez especialmente visível durante o governo Itamar Franco (quando Luiza Erundina foi expulsa do PT por aceitar um ministério), radicalizando-se depois com relação a Eduardo Campos e ao PSB, a Marina Silva e à Rede, a Ciro Gomes e ao PDT. O PT sempre tentou marcá-los como de direita. Acabou empurrando, na verdade, a população para a direita. É isso fundamentalmente que cumpre mudar.

O PSOL, mostrando suas origens petistas, leu errado a conjuntura. Adotou a falsa dicotomia direita versus esquerda, proposta pelo PT desde 2016, e, embora com muito esforço tenha dobrado sua bancada federal, não foi capaz de oferecer uma alternativa ao eleitorado desiludido e iracundo, que desembocou em Bolsonaro. Continuará errando e pagando por isso se mantiver como linha auxiliar do PT em vez de afirmar-se como a força mais à esquerda do sistema político, sem sectarismo. Talvez pela centro/centro-esquerda as coisas avancem mais rapidamente. Mesmo que não venham a se fundir, uma parceria mais sistemática entre PSB e PDT, que abrace também a nova agremiação capitaneada pela Rede, pode constituir-se em uma alternativa decisiva ao bolsonarismo.

Que pelo menos unidade seja possível como expressão de uma ampla frente democrática no parlamento e, enfim, nas eleições de 2020. Que a sociedade seja escutada, que as estruturas dos partidos sejam desoligarquizadas. Seja como for, é mais que hora de termos aprendido que sem o centro – que se moderniza, para além do MDB – a esquerda se vê isolada e sem força, cortejando-se derrotas inadmissíveis. Mas não há porque pensar que em sua totalidade este novo ciclo político será dominado pela direita. Isso dependerá de nossa inteligência política.

José Maurício Domingues*

* Sociólogo, professor do Iesp/Uerj