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Recompor a vida partidária do país

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Nosso maior desafio para reorganizar as forças populares e democráticas para enfrentar esse quadro que se criou e essa nova fase da vida brasileira é termos a sabedoria e a competência de recompormos a vida partidária do país.

Nas eleições, revelou-se um quadro curioso. De um lado, os partidos progressistas, alguns de esquerda, o PT à frente, revelaram garra, militância, enraizamento na sociedade, força política. De outro, vimos surgir o antiesquerda, anti-PT de forma avassaladora, à semelhança do anticomunismo de antigamente. A tal ponto que dificilmente PT, PSB, PDT e outros partidos menores, como PSOL, PCdoB, aspiram ganhar eleições majoritárias presidenciais e nos principais estados. Poderão ter desempenho apenas razoável em eleições parlamentares.

A solução para dar enfrentamento ao conservadorismo, voltar o Brasil a se desenvolver e corrigir as injustiças será juntar as forças populares e democráticas em um grande partido de massas capaz de ser referência das lutas do povo brasileiro. É difícil, é claro, pelos enraizamentos e separações que já se criaram. Já prospera em algumas áreas a ideia de Frente, decorrente da situação do 2º turno. Mas a Frente poderá nos unir em algumas lutas, mas nas eleições, que definem os destinos do Brasil, estaremos dispersos, enfraquecidos para a disputa.

Há exemplos no mundo que poderiam ser olhados.

A luta contra o apartheid na África do Sul foi possível, embora dura e longa, graças ao CNA – Congresso Nacional Africano, um partido que congrega diversos partidos dentro dele, comunistas, sociais-democratas, descendentes de indianos, muitos grupos. Todos com sua autonomia de organização e ação, mas que se unem nas eleições. A independência da Índia foi possível graças ao Partido do Congresso, igualmente um conjunto de partidos, que foi capaz de governar a Índia durante décadas. Aliás, o Partido do Congresso foi organizado tendo em vista o CNA, observado por Gandhi durante seu tempo na África do Sul. A Frente Ampla no Uruguai nos propicia a mais duradoura democracia e que une as forças populares e democráticas vitoriosas nas eleições.

Já há algum tempo se fala em Federação de Partidos, que pode ser um bom caminho. Para ser de forma mais orgânica, será preciso nova lei. Não creio que aprovarão lei que facilite a vida das forças populares.

A Constituição e as leis permitem que o partido se organize de forma livre, sem nenhuma imposição de regras. O Estatuto é a lei do partido. Assim, um partido poderá disciplinar nos seus estatutos que um grupo, movimento ou partido tal poderá dispor dos seus símbolos, bandeiras, direção e sede próprias, editar publicações etc. Por um critério de avaliação razoável, terá participação “x” nos órgãos de direção partidária e indicará percentagem de candidatos às eleições. O programa feito de comum acordo guiará as ações de maneira geral, podendo cada grupo desenvolver suas especificidades. Assim, o nacionalismo e o trabalhismo serão forças do nosso grupo de brizolistas no MRLB - Movimento de Resistência Leonel Brizola. Nas eleições estarão todos unidos nas candidaturas majoritárias e nas chapas proporcionais.

Os partidos atuais poderão manter suas estruturas legais, inclusive para se preservar no caso de rupturas. Os candidatos desses partidos se filiarão ao partido-mãe, o Parido Federação ou Partido Frente, nos prazos próprios para as disputas eleitorais.

Dois problemas cruciais já estão resolvidos: as esquerdas e forças populares e democráticas têm militância e quadros partidários que dão densidade a qualquer partido e já despontam lideranças populares interessantes.

O que ampliou e tornou possível a grande margem dos vitoriosos nas eleições foi o povo brasileiro, que, pela dispersão política das forças populares e democráticas e a falta de referência firme, o levou a achar que uma proposta econômica liberal estreita, favorável aos grupos econômicos daqui e de fora, pudesse ser benéfica ao país e a ele. O povo brasileiro, na sua maioria, sempre esteve do lado popular, desde as eleições de Getúlio, Juscelino, Jango, Lula e Dilma. Somente fatos extraordinários tiraram o povo desse lado: a figura exótica de Jânio, com discurso popular e trabalhista; Collor, com a história inventada de caçador de marajás; FHC com o Plano Real e agora Bolsonaro, com a história de corrupção e segurança.

Para reencaminhar a política brasileira nos seus trilhos, agora mais do que nunca é necessário somente uma unidade firme, orgânica num só bloco, numa só referência. Me lembro de uma moça da África do Sul entrevistada numa eleição: voto no CNA, esse pessoal só fez bem para nós. Dizia não se preocupar muito com o nome dos candidatos.

* Professor aposentado da Unirio; foi deputado federal