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A guerra comercial China x EUA

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Desde os tempos do império helenístico, fundado por Alexandre o Grande, o comércio de bens e produtos entre Oriente e Ocidente esteve associado à troca de ideias e de cultura entre diversos países. Por exemplo, os gregos deixaram sua arte na cultura greco-budista da Bactria, atual Afeganistão, onde foram esculpidos rostos de Buda inspirados em Apolo.

Ideias filosóficas e escolas do pensamento hindu penetraram em Alexandria e daí se espalharam pelo Oriente Médio. O filósofo neoplatônico Apolônio de Tiana teria viajado à Índia no século 1 d.C., de onde trouxe vários ensinamentos esotéricos e filosóficos.

Mais afastado do Ocidente do que a Índia, a China permaneceu relativamente desconhecida até o relato de Marco Polo no século 13. Mas o comércio com o Ocidente só foi aberto plenamente após a Guerra do Ópio, já no século 19. Antes, a China basicamente exportava produtos como seda, chá e porcelana, mas não importava quase nada. Após a demonstração de força do exército britânico, os chineses começaram suas importações.

Os chineses sempre preferiram usar o comércio como instrumento de poder político e econômico, em vez da guerra. Já o Ocidente, e na época atual, os Estados Unidos, talvez como herdeiros do Império Romano, – ambos têm a águia como símbolo nacional – prefere o uso da força militar para estabelecer relações comerciais e culturais mais favoráveis.

Anteriormente, a China fazia uso do comércio como forma prática de estabelecer relações diplomáticas com países vizinhos como a Coreia, o Japão, o Vietnam, e Mianmar. Junto com os produtos iam também bens culturais, ideias filosóficas, obras de arte, que acabavam por influenciar a cultura nativa. Com isso estabelecia uma influência permanente naqueles países, dominados culturalmente de início, política e economicamente depois.

Assistimos, hoje, à chamada guerra comercial entre essas duas superpotências, que tentam obter uma supremacia global. O governo Trump partiu para a ofensiva, sobretaxando produtos chineses e, em resposta, a China retaliou no mesmo valor global.

O uso da força militar atômica é proibido para ambos, porque uma vitória seria ao mesmo tempo uma derrota, já que os efeitos do uso dessas armas provocaria uma destruição global, por causa dos efeitos da radiação nos seres humanos, na atmosfera, nos rios e na terra em geral. Assim, o único desfecho possível dessa guerra são acordos bilaterais e globais, mais ou menos benéficos a ambas as partes.

Nessa cultura global, onde os produtos já não têm uma nacionalidade definida, o comércio também se tornou globalizado. Mas e quanto às ideias e à cultura que sempre acompanharam o comércio de produtos e mercadorias?

Num mundo globalizado e homogeneizado ocorre um processo gradativo de diluição das diferenças culturais, gerando o que Z. Bauman chamou de “modernidade líquida”. Assim sendo, bens culturais locais se tornam rapidamente acessíveis a todas as pessoas de qualquer região do mundo, onde haja acesso à Internet. Além disso, bens culturais são tratados como produtos, ou seja, mercadorias, enfatizando a importância do comércio e das finanças sobre a arte e a cultura.

Como a cultura global tende a ser hegemônica, podemos inferir que os problemas globais irão cada vez mais nos afetar localmente. Assim sendo, questões sobre poluição ambiental, aquecimento global e superpopulação, dentre outros temas, acabam se tornando assuntos de interesse global, como a recente onda de furacões no mundo mostrou.

Lentamente vamos percebendo que a Terra é nossa morada comum, que esse planeta é o único em que podemos viver, pelo menos atualmente. Cresce assim uma consciência coletiva de que é necessário cuidar, preservar e manter nossa casa comum. Essa sim, é a verdadeira guerra que deveríamos desencadear, por mais informações e atitudes de mudança de comportamento, tanto no plano individual como no coletivo.

No plano coletivo, a guerra comercial entre China e Estados Unidos é só uma cortina de fumaça que esconde de todos o verdadeiro problema: a cegueira e a incapacidade política dos líderes desses países. Porque ao invés de confrontação, deveria haver cooperação e busca de soluções comuns para o planeta.

Então será somente através de vozes individuais da sociedade civil, como a do Dalai Lama, que em seu último livro “Façam a revolução”, conclamou a todos, principalmente mulheres e jovens, a liderarem a verdadeira guerra que importa.

O velho sistema patriarcal de poder e egoísmo deve ceder lugar a uma nova visão de mundo, onde valores como cuidar, respeitar e ter compaixão sejam prioritários.

Essa nova ordem a ser criada, não é só para os homens, mas deve englobar também toda a Natureza, todos os seres vivos que compartilham conosco este lindo planeta azul.

O nascimento dessa nova ordem é inevitável, já estamos sentindo as primeiras dores, mas antes do parto, muitas outras dores e sofrimentos terão de ser suportadas.

* Professor de Psicologia Analítica

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