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Em defesa da liberdade

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O historiador britânico Eric Hobsbawm já havia nos advertido a respeito das ironias da História. Por experiência sabemos que essa caprichosa senhora não avança de uma forma linear, rumo ao progresso, eis que no seu rastro estão retrocessos variados, guerras e destruições. Ela é traiçoeira, costuma dar voltas e acaba de fazer uma guinada radical à direita, em mais uma de suas ironias. Apenas cinco dias após a eleição presidencial, podemos vislumbrar a dimensão da tragédia que vem por aí. O Brasil ficou pesado, andou para trás e os brasileiros que se preparem: ou exercem seu direito de resistir com a formação de uma frente de defesa da democracia, ou terão que se resignar com a volta do “ame-o ou deixe-o” da ditadura.

Para escapar do desalento, do medo de perseguição ao ativismo e aos adversários políticos do novo regime, associei essa reflexão às palavras de um belo samba-canção que está rolando nas redes sociais, na voz de Jonathan Silva e acompanhamento de um coro. Diz a letra, na qual substituo “mundo” por “Brasil”. “Se o Brasil andar para trás, vou escrever num cartaz, a palavra rebeldia; se a gente desanimar, eu vou colher no pomar, a palavra teimosia; se acontecer afinal, de entrar em nosso quintal, a palavra tirania, pegue o tambor e o ganzá, vamos pra rua gritar, a palavra utopia”.

A democracia se defende nas ruas, com manifestações de amizade, com os cantos e com os livros, que são nossos símbolos, não as armas. Os enormes problemas e restrições aos direitos políticos e liberdades individuais já começaram, e a invasão de universidades por forças policiais é um deles. Tudo indica que teremos um país conflagrado, imerso num estado policial disfarçado. Os militares estão de volta à cena politica. É dominante a presença fardada no grupo de transição formado para a passagem de governo, sob o comando dos generais e futuros ministros Augusto Heleno e Osvaldo Ferreira. Doravante, o Almanaque do Exército voltará a ser o livrinho mais valioso nas redações de jornais.

Como na ditadura que começou em 1964, está de volta o Big Brother do SNI, criado pelo general Golbery do Couto e Silva para vigiar pessoas, partidos de oposição, organizações sociais e o próprio governo. Decreto assinado por Temer criou a Força-Tarefa de Inteligência para enfrentar o crime organizado. Sob o comando do general Sérgio Etchegoyen, que deverá dividir com o ex-juiz Sérgio Moro toda a área de repressão, inteligência e segurança. Com poderes discricionários e ilimitados, que dispensam uma Lei de Segurança Nacional. Moro tirou a máscara. Assumirá um superministério da Justiça, que inclui a Polícia Federal, revelando sua verdadeira face e papel na Lava Jato: prender Lula e acabar com o PT.

Do outro lado desta estrutura policialesca que se espalhará por toda a sociedade, estarão os cidadãos, que dependendo do que façam ou escrevam serão denominados subversivos a partir de determinado momento. Em alguns casos, poderão receber a alcunha de terroristas, com os jornais recebendo e publicando notas oficiais saídas dos órgãos de segurança sem checar as fontes e as acusações apresentadas.

Sabemos que as pessoas estão assustadas e com medo, mas estarão exagerando? Afinal, temos uma Constituição, Legislativo e Judiciário funcionando. A imprensa já sob ameaça explícita, caso da “Folha de S.Paulo”. O capitão reformado disse na TV que “por sí só esse jornal acabou”. O país demonstrou que sabe conviver em silêncio com uma ditadura constitucional, apontando a Bolsonaro e seus colegas de farda que eles não precisarão violar as leis para ser antidemocrático. Juristas e o legislativo estão aí para isso.

Uma amiga postou no Facebook a capa do livro “Brasil nunca mais”, e escreveu: “Faço parte das pessoas citadas neste livro e isso me trás pesadelos horríveis. Na época fui levada para o DOI-Codi, tinha 22 anos, muita garra e sonhos para tornar o Brasil um país com menos injustiças sociais. Hoje tenho 70 e muito medo do que poderá vir”.

O Brasil não é um país fascista, mas o governante eleito já demonstrou que é. Durante a campanha, em suas falas gravadas e nas entrevistas às emissoras de TV, o capitão deu seguidas demonstrações de seu fascínio pelo regime hitlerista. Ameaçou prender, extinguir, matar, exilar, banir, censurar, todos os verbos do arsenal totalitário. Vamos precisar de coragem e união para não permitir que entrem em nosso quintal, combatendo essa distopia que nos cerca, Sobretudo para garantir aos jovens uma sociedade livre que esteja à altura de suas esperanças e aspirações.

* Jornalista e escritor