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Não à privatização da água

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O governo Temer editou a Medida Provisória (MP) 844, no dia 7 de junho, que altera o marco regulatório do setor de saneamento básico, hoje regulado pela lei federal 11.455/2007. A MP estabelece prioridade para prestação de serviços públicos de saneamento por empresas privadas. Não é exagero afirmar que ela privatiza a água nos grandes centros urbanos e inviabiliza a prestação desse serviço nas cidades de menor porte e regiões de baixa disponibilidade hídrica. A lei 11.445 trata a água como direito humano, a MP trata a água como mercadoria.

Pela legislação atual, as empresas estaduais têm a preferência para contratação pelos municípios através de contrato de programa que são autorizados por gestão associada de serviços públicos. Gerindo tanto sistemas superavitários, como deficitários, as empresas estaduais subsidiam a prestação de serviços nos municípios e localidades possuidores de sistemas deficitários com a renda sobressalente auferida pela operação dos sistemas superavitários: é o subsídio cruzado.

Ao invés de assinar o contrato de programa com a empresa estadual de saneamento, conforme previsto nas leis de Consórcios Públicos e Gestão Associada de Serviços Públicos (11.107/2005) e a 11.445/2017, pela MP 844 o município terá que publicar o edital de chamamento público para angariar proposta de manifestação de interesse e contratará a prestação do serviço com a empresa privada vencedora. Somente se não houver empresa privada interessada em operar o sistema municipal é que a prestação poderá ser contratada com a empresa estadual de água e esgoto.

Assim, quando os municípios possuidores de sistemas superavitários publicarem o edital, as empresas privadas se candidatarão e uma delas passará a prestar os serviços de saneamento. Já os municípios pequenos, ou aqueles em que a captação de água é feita em mananciais distantes, que oneram a operação, ou os da região semiárida do Nordeste, que são deficitários, não atrairão empresas privadas e terão a prestação de serviço pelas empresas estaduais. Ou seja: privatizam o “filé” e deixam o “osso” para o estado.

Além de inviabilizar novos investimentos em sistemas superavitários, já que a prioridade das empresas privadas é a distribuição de dividendos e não ampliação da cobertura do sistema, a MP 844 privatiza a água nos municípios superavitários e inviabiliza tanto a oferta de água tratada como o seu consumo, pois, sem o subsídio cruzado, a tarifa de água será proibitiva.

Muitas entidades nacionais do setor já se pronunciaram contrários à MP: Associação Brasileira de Empresas Estaduais de Saneamento (Aesbe), Associação Brasileira de Agências Reguladoras (Abar), Associação Nacional de Serviços Municipais de Saneamento (Assemae), Associação Brasileira de Águas Superficiais (Abas), Federação Nacional dos Urbanitários (FNU) e a Frente Nacional do Saneamento Ambiental (FNSA). Além delas, a Associação Brasileira dos Municípios (ABM), o Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU) e o Observatório das Metrópoles da UFRJ.

No Congresso Nacional se desenha uma ampla frente parlamentar, constituída tanto por parlamentares de partidos de oposição como da base do governo, contrária à MP e à privatização da água. Nossa expectativa é que a MP será rejeitada. A Comissão Especial do Congresso Nacional que apreciará a medida provisória tem um papel estratégico.

* Deputado federal (PT/BA), ex-ministro do Desenvolvimento Agrário

** Integrante do Conselho de Administração da Empresa Baiana de Saneamento; ex-secretário Nacional de Saneamento Ambiental