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A mão visível que atrapalha

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Existem correntes que defendem a tese de que as coisas funcionam bem quando não há a mão do governo envolvida, e algumas outras linhas acham que seria melhor se o governo cuidasse apenas das necessidades básicas da população. Por isso, penso que poderíamos invocar a Mão Invisível de Adam Smith para combater a onipresente e viciosa mão do poder político no desenvolvimento da infraestrutura de transportes de nosso país.

A Mão Invisível foi uma expressão empregada pelo filósofo escocês Adam Smith, na clássica obra “A riqueza das nações”, de 1776, para representar a força oculta na economia que regula o mercado de acordo com as necessidades da sociedade. Trata-se do conceito da livre concorrência, um dos pilares do capitalismo, e da visão de que cada indivíduo, em busca do seu próprio interesse, pode promover o bem-comum, sem a intervenção estatal.

Ademais, a Mão Invisível está relacionada com a filosofia econômica do laissez-faire, que significa ‘’deixar fazer’’ e tornou-se o símbolo do liberalismo econômico, por defender um capitalismo baseado na existência de um mercado que funciona livremente, sem interferências.

O Brasil precisa da força autorreguladora da economia, que favorece a competência empresarial e procura sempre garantir uma vida saudável para o mercado. A presença do governo deve ser discreta, facilitadora e organizadora. Não consigo imaginar o verdadeiro desenvolvimento da infraestrutura de transportes de nosso país sem a Mão Invisível atuando na economia. O laissez-faire seria benéfico para a sociedade como um todo, que precisaria da mão oficial apenas para suprir suas necessidades humanas básicas, tais como saúde, educação, habitação, saneamento básico, nutrição, segurança e transporte público.

O Brasil tem uma imensa potencialidade de mercado, reconhecida e almejada em todo o planeta, mas possui barreiras inconcebíveis para o seu desenvolvimento, pois o primeiro grande obstáculo é o governo, ou melhor, os três níveis de governo existentes: municipal, estadual e federal.

Para que o governo tenha uma presença discreta, facilitadora e organizadora da infraestrutura logística do país, o futuro chefe do Poder Executivo deve tomar as seguintes medidas iniciais: (1) criação e empoderamento de uma autoridade federal única para formular, orientar, coordenar e executar a política nacional de transportes; (2) emissão de um decreto que garanta nomeações e contratações eminentemente técnicas, de profissionais sem ligações político-partidárias, para todos os cargos da autoridade federal única e agências reguladoras, bem como do Ministério dos Transportes e de todas as suas autarquias e empresas estatais; (3) emissão de um decreto que garanta a independência técnica e orçamentária das agências reguladoras; (4) elaboração de um plano emergencial, com garantia orçamentária, para a recuperação da malha rodoviária não concedida, hidrovias e portos e conclusão das ferrovias estatais paralisadas; (5) elaboração de um plano de Estado de infraestrutura de transportes, e não de governo, de longo prazo, inteligente, exequível, integrado, abrangente, que seja transformado em lei, com artigos que impeçam seu abandono pelos governos futuros; (6) garantia de orçamento para a elaboração de projetos básicos e executivos de engenharia para todos os modos de transportes, para subsidiar técnica e orçamentariamente o plano de Estado.

Certamente, estão faltando outras tantas medidas, mas essas já ajudariam bastante na largada. De qualquer forma, fica evidente que a sociedade não pode ficar esperando que o governo resolva todos os seus problemas, mas pode exigir uma economia livre, conforme apregoava Adam Smith, em que os comerciantes, os industriais e os empreendedores, de um modo geral, apesar de agirem em benefício próprio, são conduzidos pela força da Mão Invisível para produzirem resultados favoráveis à economia e ao bem-comum, independentemente de suas vontades. A solução pode ser a Mão Invisível, desde que não decepada pela mão oficial.

* Doutor em Engenharia de Produção pela Coppe/UFRJ, mestre em Transportes pelo IME e professor da FGV