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Medo e esperança

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Evidencia-se, neste momento eleitoral, que duas sensações comuns dominam o brasileiro médio: o medo e a esperança. Teme-se a efetivação de projetos ou ideais considerados abjetos, ao mesmo tempo em que promove-se a esperança de um futuro pleno e feliz. A alma do brasileiro vacila, pois, entre esses dois sentimentos, uma variação contínua lhe angustia, enfraquecendo a sua força de pensar, de agir e de viver. Na flutuação dessas paixões instáveis, o eleitor se pergunta: “Quais os males futuros que me acometerão se o candidato ‘X’ ganhar a eleição?”; “Que bens futuros eu perderei se o o candidato ‘X’ ganhar a eleição?”, “Que bens desfrutarei se o candidato ‘X’ ganhar a eleição?”, “De que males estarei protegida se o candidato ‘X’ ganhar a eleição?”.

Esses dois sentimentos não existem separados: não há esperança sem medo e vice-versa, posto que aquele que tem esperança imagina que algo bom lhe aconteça, mas imagina também outra coisa que possa excluir sua existência futura, que o entristece e o conduz ao medo de que o bem desejado não se realize; já aquele que teme, imagina que possa acontecer o que odeia, mas também imagina que algo pode excluir a sua existência, tendo assim a esperança de que efetivamente não venha a se realizar.

Da esperança e do medo, diz Spinoza, nasce a alma supersticiosa. A estratégia política de dominação de poder será sempre a de produzir e manter almas supersticiosas, estabilizando os medos e as esperanças e impedindo que estes mudem ou flutuem. Para isso, nos nossos dias, graças às milhares de informações que circulam na internet, assistimos ao uso de algoritmos tecnológicos que desenham o perfil dos usuários das redes sociais, conhecendo quais os seus interesses, escolhas e motivações de modo a enviar a esse eleitor a perfeita mensagem que possa reforçar seus medos e renovar suas esperanças. Não raro, essas mensagens são fabricadas a partir de dados falsos, as chamadas fake news.

No campo da opinião, o homem forma ideias gerais de si próprio e do mundo, sempre tendo a si mesmo como referência.

Spinoza diz que, ainda que os homens aspirem à racionalidade, a subjetividade humana está comprometida pela imaginação. Imaginar é conhecer as coisas pelo efeito que produzem em nós, de modo que indica o que se passa em nós e na verdadeira natureza das coisas. As ideias da imaginação são, portanto, inadequadas - mutiladas, parciais e confusas, porque forjam uma imagem da natureza que não expressam o seu legítimo funcionamento. A ideia imaginativa é uma opinião em que depositamos a nossa mais absoluta confiança, enquanto não aparecer outra imagem que a ponha em dúvida.

Dominado pelos sentimentos de medo e esperança, pela superstição, pelas ideias da imaginação, o homem é sempre passivo, dominado por paixões tristes, por sentimentos que diminuem a sua potência de viver e de pensar. Ocorre que o homem da opinião acredita que a paixão aumenta a sua potência, ao passo que esse aumento é só imaginário e, de fato, sua diminuição é real. Esse é o estado de servidão, em que se está completamente enfraquecido pelas forças externas, deixando-se governar por elas, sendo a elas submetido e se acreditando submetê-las. Daí a frase famosa de Spinoza: “Os homens buscam a sua servidão como se sua liberdade fosse”. O homem servil ou alienado está sob o poder do outro, mas deseja e se reconhece nele, buscando a satisfação num outro que só exite imaginariamente. No limite, essa diminuição real de sua força de viver o leva à destruição, promovendo outras tantas paixões destrutivas, temendo e odiando os demais homens que são vistos como empecilhos à sua felicidade. O tirano precisa da tristeza das almas para triunfar, assim como as almas tristes precisam de um tirano para se alimentarem. O que os une? O ódio à vida.

O apelo de Spinoza é a correção do intelecto, para que o homem, conhecendo a si próprio, se liberte das amarras supersticiosas da imaginação. O homem necessita sair da passividade para a atividade, se tornando causa adequada de suas ideias, passando da tristeza à alegria, da fraqueza à força, da servidão à liberdade. A ética spinozista supõe a autonomia do sujeito, a busca da alegria e o consequente enfraquecimento das paixões tristes, pois o desejo que nasce da alegria é mais forte do que o desejo que nasce da tristeza.

* Professora de Filosofia da Faculdade São Bento e da Universidade Cândido Mendes