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Uma carta aos amigos conservadores em tempos de eleição

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Meu amigo conservador, digo-lhe, antes de tudo, que prezo sua visão de mundo e adoro conversar com a sábia prudência conservadora. Por causa disso, escrevo esta carta para alertá-lo de que o bom e velho conservadorismo moral e político parece estar se desviando de seus fins. Embebendo-me do melhor deste pensamento e prática, explico-me.

Mesmo sendo contrário e crítico ao que se tornou o Partido dos Trabalhadores, considero que votar em Bolsonaro é uma péssima alternativa. De acordo, estamos em uma sinuca de bico imposta pela irresponsável estratégia eleitoral do PT. Mas não vejo qualquer possibilidade de que vistamos o candidato Bolsonaro como um defensor de nossas liberdades contra os supostos perigos existentes. Para mim, meu amigo, ele é a negação de quaisquer marcos civilizatórios aceitáveis pelo conservadorismo.

Basta prestarmos atenção em quem ele é. Alguns dizem que os críticos exageram sobre seus perigos, que agiriam de má-fé buscando vídeos de décadas atrás. Não, não é preciso ir tão longe. Em um contexto eleitoral, ele está sendo preparado para dar consistência a seu discurso, racionalidade e moderação; por isso é conveniente não nos deixar levar por discursos prontos e cenas feitas, em ambientes de protocolo controlado. Portanto, sente e busque vídeos de um pouco antes das eleições, falando em programas de comédia, em entrevistas etc; ou, então, os de comícios eleitorais, quando ele está espontâneo. Escute o candidato suspendendo os seus afetos políticos e ligando o seu sinal de alerta moral em prol da vida, da dignidade humana, da integridade, da tradição e da civilização. Evite se levar de pronto pela lógica do “contra quem” (“contra-PT”, “contra-comunistas” etc.). Preste atenção no que há de afirmativo nas palavras e nas ações. Não se deixe levar apenas por palavras (“união”, “paz”, “vida”, “família” etc.); faça uma leitura mais atenta da postura, das propostas e, principalmente, da contradição entre o que ele fala e o que ele faz. Para simplificar, faça a mesma coisa que você faria com os “petistas”: ponha-o sob suspeita.

Se você fizer esse exercício e recordar o que constitui uma visão conservadora de mundo, tenho certeza de que se sentirá constrangido e, mesmo, de estômago embrulhado. Por quê? Porque Bolsonaro e os seus seguidores transmitem o que há de pior nela e marginalizam o que há de melhor. Explico-me.

O melhor do conservadorismo, aquilo que podemos chamar de “conservadorismo autêntico”, notabiliza-se, a meu ver, pelos seguintes traços:

1- valorização da tradição e do tempo lento e longo, com conhecimento aprofundado da história do país, da religião e dos costumes; 2- moderação e polidez nas atitudes, com respeito pelo outro, autocontrole e civilidade; 3- noção da importância de boas elites para uma boa sociedade, o que envolve a valorização da educação e do trabalho intelectual, com uma concepção humanista de cultura; 4- noção de que não existe liberdade sem autoridade bem compreendida, assim como não existe autoridade sem liberdade exercida; 5- percepção de que as liberdades só se efetivam quando se tornam usos, costumes e sentimentos, recusando com isso qualquer tentação de usar da força ou violência para impor sua própria vontade; e 6- uma visão de que a realidade e o humano são complexos, o que instrui uma regra de sabedoria conservadora: só se muda gradual e imperfeitamente, sendo impossível suprimir o mal e redimir o humano de seus pecados. Ou seja, qualquer proposta de limpeza geral, solução final, redenção da corrupção pela tomada de poder etc. é incogitável.

Tudo isso, infelizmente, encontra-se, em grande medida, ausente em Bolsonaro e no bolsonarismo. E o que é então que se encontra verdadeiramente presente, em geral, em Bolsonaro?

O pior do conservadorismo, o que podemos chamar de “conservadorismo inautêntico”:

1- intolerância e preconceitos irracionais em relação ao diferente; 2- anti-intelectualismo e aversão à cultura e ao cultivo da alma; 3- autoritarismo (que é diferente de defesa de autoridade); 4- militarismo (que é diferente de valorização das Forças Armadas) e apelo a soluções violentas e voluntariosas; 5- desprezo pelos direitos e dignidades e incivilidade no comportamento; e 6- simplificação da realidade e vontade de imposição por força, sem noção da complexidade das coisas.

Ora, curiosamente, quando pensamos de forma autenticamente conservadora, conforme os ideais acima enumerados, tanto Bolsonaro quanto o bolsonarismo parecem-me imensamente distantes de corresponder ao melhor deste horizonte de mundo; e ironicamente, aproximam-se, pelo contrário, de certas concepções revolucionárias contra as quais ele se debate. Um exemplo basta.

Desde o início de 1990, Bolsonaro desmerece as instituições, descrendo a possibilidade de uma mudança lenta da sociedade. Ele prefere propor golpes, fazer apelo à violência e exprimir anseios de fuzilamentos. Ora, um autêntico conservador faz o inteiro contrário disso. Ele diz que a sociedade é muito complexa para ser mudada com atos de força e que a democracia é um tecido frágil constituído progressivamente e com muita prudência, cabendo-nos portanto cultivá-la e zelá-la fazendo uso do que há de melhor em nossa tradição.

Portanto, nada mais distante, em Bolsonaro, do que um conservadorismo autêntico. Se você quer continuar com ele, digo-lhe com sinceridade: você flerta com algo muito mais parecido com seu inimigo do que imagina!

André Magnelli

** Doutor em Sociologia (Iesp-Uerj) e

diretor do Ateliê de Humanidades

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