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A forma das ideias políticas - Parte II

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Na parte inicial deste artigo, publicada há uma semana, no dia 16 de outubro, dissertei um tanto sobre concepções filosóficas relativas aos conceitos “dialética”, “maiêutica”, “ideias” e suas conexões com o conceito de “política”. Nesta segunda e última parte, procuro mostrar uma forma de aplicação prática desses conceitos na vida diária e como eles podem nos ser úteis.

Um exemplo claro do movimento dialético pode ser encontrado nos Estados Unidos, em plena Guerra Fria. Os direitos civis dos negros eram o alvo principal dos ativistas liderados pelo pastor Martin Luther King Jr. (1929-1968), mas não era o único. Em um plano mais amplo, ele lutava por direitos também econômicos dos mais desfavorecidos, tanto que, na pauta de suas reivindicações, constavam a luta pela garantia de um salário mínimo, a participação de comitês populares no processo legislativo, a redistribuição da renda nacional pela população, a garantia à moradia e a criação de empregos.

King ironizava as elites porque usavam o termo “assistencialismo” para falar sobre direitos que eram garantidos aos mais pobres, mas eram (e são) chamados de “subvenções” ou “subsídios” quando os benefícios eram (e são) ofertados aos mais ricos. Ele dizia que o sistema norte-americano era “um sistema socialista para os ricos e capitalista selvagem para os pobres”. Por essas e outras defesas de justiça social, o reverendo foi chamado de comunista. King disse que concordava com parte das análises de Marx, mas não se dizia um marxista. Um dia, em 1968, em entrevista ao jornal “The New York Times”, King disse que estava engajado em uma “luta de classes”. Foi assassinado um mês depois.

Martin Luther King Jr. pregava a “política do amor” e a não-violência, no que seguia Gandhi, mas não significava que fazia uma política covarde e do não-confronto, posto que a ação direta, que também pregava, necessariamente leva a confrontos e desorganizam a ordem pública pré-estabelecida pelos poderosos. A ordem das coisas, que não é natural, mas sim construída, espacial e historicamente, deve ser alterada, e quem está no topo social não costuma abrir mão de seus privilégios de modo tranquilo. A força, não raro, alertava King, era (e é) a única forma de os excluídos serem ouvidos pelos detentores da ordem imposta. Não obstante, o ideal é usarmos a força do argumento e da ação coletiva vigorosa que não se deixa enganar nem explorar, bem entendido. Imitamos tanto os norte-americanos... por que não imitar esse exemplo? Silenciar é omitir-se e omitir-se é ser conivente, por inação.

A Maiêutica de Sócrates deve nos servir de método para conscientização das pessoas, ao inquirirmos os outros sobre suas certezas acerca das histórias edulcoradas que o grande capital insiste em nos vender como democráticas, sem o serem. Já a Dialética de Marx pode nos servir de método analítico para entendermos, não a realidade completa, porque ela é, como toda teoria, insuficiente para que formemos uma visão abalizada sobre tudo, mas para que possamos entender o porquê de sermos explorados economicamente e como esse processo é realizado, levando-nos a supera-los. A História não pode ser uma totalidade absoluta hegeliana porque o porvir está para ser construído e mesmo o passado pode ser relido, à luz de novas descobertas, e isso independentemente das novas ideias estarem ou não no ser; Aristóteles e Platão estavam, ambos, certos.

A luta social não pode ser apenas Metafísica. Contudo, de pouco isso adiantará se não conseguirmos motivar as pessoas a sair de sua zona de conforto para lutar, pacífica, mas convicta, solidária e generosamente, por melhores condições de vida. Luther King dizia: “chega uma hora em que o silêncio é uma traição à consciência do bem”. As diferenças não podem nos calar, tampouco nos fazer querer aniquilar o outro; é possível construirmos juntos, apesar de diferentes, uma nova sociedade.

* Geógrafo e pós-doutor em Geografia Humana ([email protected])