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Quem são os judeus que flertam com o fascismo?

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Ainda no domingo da votação em primeiro turno, leio na linha do tempo da amiga Daniela Kresch, correspondente internacional “Em Israel, a votação já acabou. Dos 529 votos válidos (25% dos eleitores inscritos), cerca de 67% votaram no Bolsonaro. Em segundo, ficou Ciro, com cerca de 13%”. Nos comentários, uma possível explicação: “Daniela, me corrija se estiver errada: a divulgação do resultado em Israel em nada influencia a votação no Brasil, mas de alguma forma espelha o que ocorreu nas cabeças daqueles que historicamente se identificavam com a esquerda mas que se sentiram enganados por esta”. Bem, volto a dizer: entendo, mas não compreendo. E não acho que seja apenas isso.

Explico-me (e lembro aos desmemoriados). Ano passado, em polêmico discurso na Hebraica do Rio, o capitão afirmou: “Eu fui num quilombo. O afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas (arroba é uma medida usada para pesar gado; cada uma equivale a 15 kg). Não fazem nada.Eu acho que nem para procriador ele serve mais. Mais de R$ 1 bilhãopor ano é gasto com eles”, disse, arrancando risos da plateia de 300 pessoas que o chamavam de “mito!”. O discurso racista, com eco na plateia de judeus, rachou a comunidade judaica e recebeu críticas pesadas de representantes dos movimentos negros e indígenas (ele havia prometido rever as reservas indígenas no país).

Meses depois, ao comentar uma decisão que proibia o bloco “Porão do Dops” de sair no carnaval paulista, o historiador Marco Antonio Villa afirmou na “Rádio Jovem Pan”: “O nazista chamado Jair Bolsonaro destampou e defendeu um crime no Congresso Nacional e nada aconteceu”. Banqueiros “homenagearam esse homem nazista, que defende tortura. Ele, por exemplo, vai defender Auschwitz, pelo jeito. Ele é um torturador. Portanto, triste do país que tem pessoas como Jair Bolsonaro e pessoas que organizam bloco como esse”, disse.De imediato, a Associação Sionista Brasil - Israel (ASBI) emitiu uma nota de repúdio. Trecho:

“Acreditamos na sua sinceridade e empenho para combater a ideologia marxista que está destruindo o Brasil. Compreendemos que a sociedade brasileira foi esgarçada de tal forma, que a única oportunidade do país se reerguer e se livrar deste câncer é dando uma guinada à direita para se reequilibrar e voltar ao centro. Entendemos que um Congresso forte e livre de progressistas no poder é o que vai devolver o país à normalidade e aos valores morais e éticos que estruturaram a nossa sociedade”.

Em entrevista à revista “Piauí” em fevereiro, dois empresários judeus - Meyer Nigri, dono da construtora Tecnisa, e Fabio Wajngarten, dono de uma empresade monitoramento de mídia chamada Controle da Concorrência – afirmaram porque votavam no capitão: “Apoio quem seja contra a esquerda, Bolsonaro, Alckmin ou qualquer outro.” O Brasil, segundo ele, virou “um país socialista, impossível para os empresários”, em que “as leis trabalhistas, as cabeças dos procuradores, dos juízes, são pró-socialistas”, disse Nigri.

Ou seja, nada há no discurso de judeus pró-Bolsonaro a mais vaga ideia de “progressistas enganados pelo PT”. Nunca foram progressistas, nunca foram petistas e flertam com ideias racistas e autoritárias que vítimas do nazismo ao redor do mundo deveriam, em respeito a suas histórias, evitar. São egoístas conservadores sem um pingo de humanismo na veia.

Em sua página no Facebook, uma jovem judia (que prefere não ser identificada) faz uma carta aberta com um desabafo que talvez esteja na garganta de todos, judeus ou não: “Na escola judaica onde estudei a vida toda, uma das maiores preocupações era manter a memória do Holocausto viva. A máxima sempre foi ‘lembrar para não se repetir’... Lembro, também, uma palestra que tivemos com um sobrevivente do Holocausto, em que ele contou que, um dia, se escondendo da polícia nazista, ele, sua família e outra família judia se enfiaram em um armário na casa de alguém. A mulher da outra família tinha um bebê no colo e, para abafar seu choro e evitar que as autoridades os encontrassem, colocou um pano por cima da criança e segurou com força. Quando os policiais deixaram o local e eles enfim saíram do armário, viram que a mãe tinha matado o bebê asfixiado sem querer. Em Auschwitz, vi pilhas e mais pilhas de cabelos raspados pelos nazistas. (...) Cresci acreditando que estávamos caminhando pra um mundo em que a gente nunca mais precisaria se esconder dentro de um armário (literalmente). Não imaginava que pessoas da nossa própria comunidade poderiam se mostrar tão hipócritas, egoístas, mesquinhas. O ‘lembrar para não repetir’ vai só até a segunda página, pelo visto. Vocês não se importam com um novo Holocausto, vocês só não querem que sejamos o alvo”.