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Coluna da Segunda - Deus não vota

Fábio Motta/AE -
Jair Bolsonaro
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Confesso minha total estranheza ao ouvir Jair Bolsonaro invocar o nome de Deus e citar passagens da Bíblia em sua campanha eleitoral. Não vejo qualquer ligação entre a atitudes e gestos do ex-capitão e a mensagem de paz, entendimento e amor ao próximo, para não falar na misericórdia divina. O que aproxima o candidato do PSL do belíssimo e inspirador sermão da montanha de Jesus Cristo? Nada, absolutamente nada.

Para deixar claro que não se trata de preconceito contra o ex-capitão do Exército, vou transcrever texto do tarimbado e respeitado jornalista Roberto Pompeu de Toledo, em artigo na última edição da revista Veja. O segundo turno da eleição presidencial, diz ele, tem como favorito um candidato que: 1) tem como herói um coronel que durante quatro anos, 1970-74, comandou o principal centro de torturas de São Paulo; 2) ao votar pelo impeachment de Dilma Rousseff, homenageou a memória desse coronel, Carlos Alberto Brilhante Ustra, saudando-o como ‘o terror de Dilma’; 3) defende a ideia de que a ditadura não foi ditadura; 4) declarou que o erro do regime então vigente foi não ter matado mais; 5) prega a violência como meio de enfrentar a violência; 6) considerou ‘uma fraquejada’ ter gerado uma menina; 7) foi acusado pela ex-mulher de tê-la ameaçado de morte; 8) menospreza os negros que recuperaram o direito aos antigos quilombos; 9) menospreza o direito dos índios a suas terras; 10) incentiva o desapreço a homossexuais; 11) debocha da expressão ‘direitos humanos’; 12) cogita retirar o Brasil do Acordo de Paris sobre o meio ambiente.

Eis, portanto, um breve resumo sobre o ideário de Bolsonaro. E não custa esclarecer que, como ex-militar que é, ele sabe muito bem o que foi a tortura. Sabe que o médico que acompanhava o suplício dos presos no quartel da Polícia do Exército, na rua Barão de Mesquita, recomendou que os carrascos parassem de surrar o ex-deputado Rubens Paiva, porque ele estava correndo risco de morte. Não lhe deram ouvidos. Mataram Rubens Paiva a pancadas e depois sumiram com seu corpo. Bolsonaro sabe também que Eduardo Collen, o Bacuri, ao cair nas mãos do DOI-Codi, do qual Ustra fazia parte, teve os olhos vazados, os dentes arrancados, o couro cabeludo lacerado e as orelhas cortadas. Foram mais de 400 mortos e desaparecidos nas mão da repressão. Um homem que defende a tortura e também os oficiais que a transformaram em prática de Estado não pode falar de Deus. O sadismo não encontra abrigo na Bíblia. Por mais obscurantista que seja, o candidato do PSL sabe disso, se é que ele leu mesmo o livro dos livros.

Pelas posições que assume fica mais do que claro que Jair Bolsonaro não ama seu próximo. Menospreza e desrespeita mulheres, negros, homossexuais, índios e todos que pensam diferente dele. Infelizmente, porém, está recebendo apoio de algumas confissões evangélicas, o que lhe tem garantido votos em área populares, antes inatingíveis. Com o apoio da Igreja Universal, do bispo Edir Macedo, Bolsonaro invadiu redutos eleitorais até então com predomínio do PT. No Rio, por exemplo, conquistou mais da metade dos votos na Baixada Fluminense. Até mesmo no Nordeste, a pressão dos pastores faz a cabeça da gente mais simples. Do púlpito, os dirigentes evangélicos não se fazem de rogados e afirmam que crente não vota na esquerda. Misturam a religião com a política sem a maior cerimônia.

Os meios de comunicação da Igreja Universal também abriram espaço para o ex-capitão (não se sabe ainda o que há por trás disso). A TV Record o entrevistou por mais de 30 minutos no mesmo momento do debate da TV Globo no primeiro turno e está à sua disposição no segundo turno. Os homens do Bispo Macedo estão empenhados numa espécie de guerra santa. O que deve ser motivo de preocupação. Não é segredo para ninguém que a Universal combate outras religiões e joga seus fiéis contra o candomblé. Também ataca a reverência dos católicos a Maria, a mãe de Jesus. Imaginem se o bispo Macedo conhecesse a adoração de meu pai por Sant’Anna, a mãe de Maria. Que perigo correria minha família!

Deus não vota, mas Bolsonaro e Edir Macedo estão usando o Seu nome em vão. Diante disso, faço aqui minha profissão de fé. Sou católico. Não creio e não voto em candidato que prega a violência e tem o apoio de quem chuta a imagem de Nossa Senhora. Minha mãe era filha de Maria. Minhas três irmãs levam Maria no nome. Ave Maria!