ASSINE
search button

O bode

Compartilhar

Deu bode. E, graças a uma feliz atualização vernacular, pois bode, há muito, representa o Coisa Ruim... deu ruim. Não se lê, a rigor, Confúcio, mas sabe-se que diante de tal situação, ele nos orienta a trazer um bode à sala e, diante do insuportável, retirar o bode trará imediato alívio.

O bode, escusado dizer, já adentrou à sala. Pulo esta parte, pois o fedor impressionante, a impressão de que o lado sombrio da força nos constrange e que, por intermináveis poucas semanas, o império contra-ataca, e, ufa, vencido, ao final, estaremos, tal e qual estávamos quando deu bode: na mesma sala.

E há um Rio que por ela passa...

O bode de tal modo infesta, que olvidamos o contínuo fluir fluminense que, chegando ao mar, não chega a lugar algum: um paradoxo. Copiando Macunaíma: mais do mesmo e contradição, os males do Rio são. Mas agora, acrescentem retração.

Chegamos, assim, a um governador que, malgrado o apelido, não deixa pegadas. Na Corte, sem que ninguém afirme ter votado nele, elegeu-se o alcaide cantor.

E o que temos para hoje? Algum mísero projeto sensato para o estado que tem a maior taxa de urbanização do país, e que sua região metropolitana responde por 80% de quase tudo que aqui há? Nada.

Em verdade, a metrópole é tão relevante que o órgão que Moreira Franco exterminou, há 30 anos, ninguém ainda achou por bem recriar, para dar trato coeso à Área Metropolitana, certamente por enfraquecer o conjunto. Sob esta ótica, ao Estado do Rio, sobra Metrópole e falta Estado.

Me repito dizendo que o Rio não cresce. Se muda. A Região Metropolitana não é diferente. A população pouco se eleva, mas a área física se expande com uma força incrível, tocada pelo motor da miséria. Sem que ninguém dê importância, surgem novas conurbações, como a que solda Magé e Caxias, mas quem sabe onde é Imbariê ou Piabetá?

As franjas da encosta, já arranhadas, a ponto de Rio Bonito ter sido incorporado, oficialmente, à Metrópole, enquanto, no outro lado, a ocupação segue firme em Japeri e Queimados, fazendo com que este último surja nas páginas, batendo recordes de violência.

Crescem porque a população pobre só suporta morar longe, cada vez mais longe... Cada vez que inventam um falso brilhante, o preço da terra sobe, mais longe vai o pobre, novas demandas por pavimentação, água, transportes, igrejas de nomes inimagináveis, vereadores e deputados que vão se eleger mais uma vez para levar água, quiçá já benta, para lonjuras recém conquistadas...

E criam-se municípios, verdadeiros bairros, e se alguém espirra em Nilópolis respinga em Mesquita e não há um lencinho estadual que acuda. Fomentar consórcios municipais seria razoável, mas cadê?

O interior se divide entre um lado que flerta com São Paulo e o outro que se imagina nas Arábias, entremeado de municípios que perdem população, com suas cidades favelizadas: há quem saiu e tem quem ficou no local de origem, sem emprego, sem casa, sem rumo, sem prosa, até à próxima chuva, quando se mapearão as áreas de risco e aparecerá alguém para dizer mais do mesmo... pula essa parte também.

O Estado é desenhado pela miséria, sobre uma estrutura getulista que o modelo liberal desmontou: cadê a FNM? A Álcalis, comprada para ser fechada? A CSN, em parte responsável para que o Brasil entrasse na Guerra? Paulista e privatizada, esvaziam até mesmo a sede, em Volta Redonda.

Discutir o Rio, além dessa farta distribuição de balas e armas, que surge como a panaceia fluminense, urge tirar o bode da sala, que ainda reproduz criaturas à sua imagem, fazendo-os deputados e senadores, pela simples razão de serem filhos de quem são.

Desde Pedro II não se concentra em um mesmo sobrenome tanto poder. Praticamente se desproclamou a República, instalando uma nova dinastia.

Incomparavelmente menor que a de um Mister Katra, o que já é um alívio.

Confúcio estava errado: #bodenão.

* Arquiteto, Urbanista DSc

Tags:

artigo | jb | política