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Democracia, esquerda e futuro

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Saímos das urnas este domingo, 7 de outubro, com um resultado que, de qualquer ângulo, é extremamente nefasto para a democracia brasileira. Um Congresso extremamente oligárquico e conservador, um candidato de extrema-direita – pouco importa se o caracterizamos como fascista ou não – com uma votação que quase lhe deu a vitória no primeiro turno e uma maioria também extremamente conservadora de governadores. Uma terrível combinação de oligarquia com extrema-direita. Embora a esquerda tenha mais ou menos resistido no Legislativo nacional (inclusive com o crescimento do PSOL) e no Nordeste, o sistema partidário – com as derrotas do PT e uma profunda mudança no perfil do PSDB, agora amplamente dominado por sua ala mais à direita –, mostrou-se definitivamente falido. A justa ira popular contra o sistema político se fez explícita e desaguou nos piores caminhos possíveis.
Ao petista Fernando Haddad, segundo colocado, a tarefa que se apresenta agora é difícil e demandará uma verdadeira ruptura com a tradição hegemonista de seu partido. Esta, em grande medida, nos trouxe a esse abismo político, ao recusar composições e movimentos ao centro se não o podia controlar. Haddad terá de ser o candidato de todos os democratas brasileiros, de todos os que recusam a barbárie. Marina Silva, Fernando Henrique Cardoso, Joaquim Barbosa e outros, que até ontem eram adversários, têm que ser convocados generosamente a participar de sua campanha. Obviamente, Ciro Gomes e o PDT devem figurar na primeira linha dessa batalha, tendo reconhecida sua fantástica campanha, em que se mostrou espetacularmente como um estadista de primeira. O PSOL e Guilherme Boulos também têm de estar e estarão à frente dessa luta. O PSB, depois do bizarro constrangimento que lhe impôs Lula, se integrará plenamente à batalha. O MDB, um dos grandes problemas da política brasileira, e outros em outros partidos de centro-direita neste momento por conveniência, têm de ser incorporados à preservação da democracia, uma condição para seu aprofundamento. Uma grande frente democrática tem de se formar.
Terão o PT e a esquerda em geral maturidade para armar esse processo? Estarão à altura deste desafio histórico? Até agora os fatos desmentem essa possibilidade, mas a dramaticidade do momento pode levar a um rápido aprendizado, que no futuro inclusive nos leve a uma outra forma de fazer política. A política tem que ser mais que isso. Que aprendam também os liberais centristas do PSDB e de outros partidos a não meter-se em aventuras. Isso nada tem a ver com participar ou não de governos. De todo modo, a reconstrução da democracia brasileira não será fácil. Terá de ser tarefa de muitos, de muitas forças, situação e oposição, do contrário não se realizará.
Aqui se põem duas agendas muito complexas. Primeiramente, o que significará um governo Haddad, minoritário, vindo de uma vitória delicada – caso, oxalá, se verifique – e refém de muitas forças contraditórias. Não poderá fazer muito. Estabilizar a economia e o país, buscar os inícios de uma reforma que permita que o sistema político se abra à sociedade, para além, mais uma vez do dinheiro (público e privado) e das bancadas dos interesses empresariais. Mas além disso é preciso que a esquerda repense o Brasil e a si mesma. Um programa democrático avançado, de reformas sociais e institucionais, e uma nova economia, do conhecimento e pós-desenvolvimentista, com direitos sociais amplos. É ao menos um começo. É preciso recusar os erros do passado – inclusive desculpam-se por eles, sem se autoimolar, deixar de lado o hegemonismo e o sectarismo, cultivando a pluralidade na esquerda e sabendo disputar no cotidiano. Aliar-se a um centro verdadeiro, democrático de fato, é a única estratégia que de fato pode nos abrir caminhos para o futuro. Se por ventura Bolsonaro prevalecer no segundo turno, muita inteligência será necessária na resistência em defesa da democracia.
A hora é dramática, a crise não amainará. Temos que estar à altura delas.

* Sociólogo, professor do Iesp/Uerj